Título: OS DILEMAS DE UM BUSH CONFUSO
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 08/11/2006, O Mundo, p. 28

PENSACOLA, Flórida. É tempo de teste para o presidente Bush. Segunda-feira, no último dia da campanha que irá afetá-lo diretamente, ele foi à Flórida fazer um favor ao irmão, Jeb, que espera que um republicano o substitua no governo do estado. Só que o candidato resolveu faltar ao evento. ¿Muito ocupado¿ para estar com o presidente dos EUA. É assim que a coisa andou nesses dias. Bush correu o país, fazendo discursos contundentes, apostando na vitória. Se há dúvidas, ele as guardou para si, assim como arrependimentos.

O resto do mundo pode ver um presidente sem popularidade, numa guerra mais impopular ainda. Mas o soldado Bush continua lutando. Publicamente, não vacila como outros presidentes já vacilaram, se comporta como o líder de um país em guerra desde os atentados de 2001. Para os críticos, mais parece que Bush vive num mundo só seu, irreal, repleto de certezas absolutas, mas só dele: ¿Vejo isso como uma luta do bem contra o mal¿, diz, ao referir-se à luta com terroristas. Para Bush, isso é sinônimo de força, não de fraqueza. Ele é o ¿decididor¿, e poucos líderes passaram por períodos tão difíceis ¿ em que as decisões aparentemente estavam fugindo do controle.

Ele disse para a Coréia do Norte não testar armas nucleares, mas Pyongyang detonou uma bomba mesmo assim. Ele disse para o Irã parar de tentar obter armas nucleares, Teerã nem ligou. Ele mandou generais encontrarem um caminho para estabilizar o Iraque, mas o número de mortes americanas atingiu, em outubro, seu maior índice em dois anos.

Os eleitores é que decidem agora, e Bush não tem qualquer influência sobre isso. Apesar de não ser considerado um político muito nervoso, Bush estaria com fisionomia preocupada nos últimos dias, segundo pessoas próximas a ele. Ele e seus assessores, como Karl Rove, por exemplo, não esconderam que se sentiram ofendidos quando o candidato republicano ao governo da Flórida, Charlie Crist, desprezou o evento em Pensacola.

Em algumas ocasiões, Bush parece confuso com seus problemas políticos. Tem absoluta certeza de que, como ele mesmo coloca, ¿eles estão vindo atrás de nós¿, eles, no caso, ¿os terroristas¿ ¿ e não entende como tanta gente não vê isso com a mesma clareza.

O diálogo de uma entrevista recente entre Bush e o jornalista conservador Lawrence Kudlow, da rede de TV CNBC, ilustra bem a irritação e o isolamento do presidente. Kudlow disse a Bush que havia apoiado a guerra no Iraque, mas que estava desencorajado e sem esperança.

¿ Senhor, preciso de boas notícias ¿ disse.

¿ Eu também ¿ rebateu o presidente.

¿ Preciso mesmo ¿ repetiu Kudlow.

¿ Você está falando com Noé sobre a enchente. E eu também ¿ disse Bush.

Bush espera que a História o absolva. Mas o que fará depois do teste eleitoral? Ele chegou ao poder prometendo unificar, não desagregar ¿ no entanto, a polarização política no país é maior do que no início de seu governo. Como ele vai se reconciliar com esses instintos sobrepostos? O desejo de ser um salvador e ter a certeza de que o caminho escolhido é o certo? O ¿decididor¿ terá de decidir.

PETER BAKER é colunista do Washington Post