Título: ORTEGA BUSCA RELAÇÕES NORMAIS COM OS EUA
Autor: Renato Galeno
Fonte: O Globo, 08/11/2006, O Mundo, p. 31

Praticamente eleito na Nicarágua, líder esquerdista terá de negociar com a direita para cumprir promessas

MANÁGUA. Agora que é praticamente certo que Daniel Ortega tenha sido eleito presidente da Nicarágua, duas novas dúvidas pairam sobre o país. Qual será a relação do governo da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) com os Estados Unidos ¿ com que prometeu ter relações normais ¿ e como negociará alianças para cumprir suas promessas de campanha, já que não terá maioria no Parlamento? Com 61,8% das urnas apuradas, o ex-guerrilheiro tinha 38,59% dos votos ¿ 7,65 pontos percentuais à frente do segundo colocado, bem mais do que os cinco pontos necessários de acordo com a lei.

Refrão anti-EUA de hino sandinista foi suprimido

Pensando na futura relação com os EUA, Ortega parece ter se preparado para evitar problemas com os falcões de Bush ao criar uma espécie de defesa preventiva. Entre o grande número de polêmicas que cercaram a suavização da imagem de Ortega antes das eleições ¿ como a conversão ao catolicismo e a aliança com a direita do corrupto ex-presidente Arnoldo Alemán ¿ uma em especial foi muito sentida pela militância histórica da FSLN: Ortega ordenou que o refrão do hino da FSLN fosse eliminado. Ele dizia: ¿Lutamos contra o yankee, inimigo da Humanidade¿. O autor da canção, Carlos Mejía Godoy, não foi consultado por um motivo simples. O histórico músico sandinista foi candidato a vice na chapa de Edmundo Jarquín, do Movimento de Renovação Sandinista.

A primeira aparição pública de Ortega após a votação foi ao lado do ex-presidente americano Jimmy Carter, que esteve na Nicarágua como observador das eleições. Logo depois do encontro, Ortega buscou tranqüilizar a população e, principalmente, os investidores estrangeiros.

¿ Quero que tenhamos a disposição de trabalhar juntos para erradicar a pobreza na Nicarágua, e quero dar segurança ao setor privado, aos investidores nacionais e estrangeiros, e garantir que a Nicarágua quer melhorar, desenvolver as relações com toda a comunidade internacional ¿ disse.

A importância da relação entre Nicarágua e EUA é grande no país e foi um dos principais temas da campanha.

¿ Vai se falar de uma eixo Venezuela-Bolívia-Nicarágua, isso é inevitável ¿ disse o escritor Sergio Ramírez Mercado, que foi eleito vice-presidente na chapa de Daniel Ortega nas eleições de 1984. ¿ Mas não vejo como a Nicarágua pode ser um perigo para alguém. Ortega tem lá suas preferências. Mas nos anos 80, havia uma guerra em El Salvador, outra aqui. Agora não há mais União Soviética, não há guerra em El Salvador nem aqui. A Guerra Fria acabou. A Nicarágua não tem qualquer papel geopolítico.

Mas alguns políticos americanos parecem não concordar. Deputados do Partido Republicano enviaram uma solicitação à Casa Branca para que ela impedisse as remessas de trabalhadores nicaragüenses para seu país em caso de vitória de Ortega. O embaixador dos EUA em Manágua, Paul Trivelli, foi acusado de ter apoiado a candidatura de Eduardo Montealegre. O militar Oliver North, coordenador do escândalo Irã-Contras que financiou a luta contra o governo sandinista nos anos 1980, esteve na Nicarágua e posou para fotos com o candidato José Rizo.

Por sua vez, Ortega buscou não atrelar seu nome ao cubano Fidel Castro e, principalmente, ao venezuelano Hugo Chávez.

Mas outros sinais dados nos últimos anos fazem crer que a relação bilateral entre Nicarágua e EUA não deverá ser das mais difíceis. A bancada da FSLN na Assembléia Nacional aprovou o Tratado de Livre Comércio entre os EUA e a América Central. Durante a campanha, Ortega prometeu uma relação normal com os EUA, pregando apenas o que chamou de diversificação das relações externas.

FSLN terá de negociar com a direita para governar

O analista político Alejandro Serrano Caldera afirma que o contexto político interno pode ser mais importante para definir as relações internacionais do governo da FSLN do que uma predisposição de Ortega.

¿ Acredito que podem ocorrer, sim, problemas domésticos que afetariam a agenda externa. Se houver um enfrentamento entre Ortega e a oposição, isso poderia ser replicado nas relações externas e forçar o governo a fazer uma opção.

Já em relação à bancada no Parlamento, a FSLN de Ortega deverá ficar com entre 37 e 40 deputados, número aquém dos 47 necessários para aprovar reformas ordinárias ou dos 56 exigidos para modificar a Constituição. Com isso precisará negociar apoio ou com a ALN, de Montealegre, que deverá eleger de 27 a 29 deputados, ou manter a aliança com o Partido Liberal Constitucionalista (PLC) do ex-presidente Arnoldo Alemán, que conseguirá de 18 a 22 deputados.