Título: Preliminares
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 09/11/2006, O GLOBO, p. 2

O presidente Lula rejeitou a comparação, mas todo governo de coalizão tem um quê de salada de fruta: se os partidos são diferentes entre si, o Ministério será naturalmente heterogêneo. Importante é a qualidade das frutas e a estabilidade da mistura. Lula precisa ter o PMDB unido e inteiro, mas esbarra de saída no fato de o presidente do partido, Michel Temer, ter apoiado seu adversário na campanha, contra a maioria peemedebista.

Não podendo por isso estabelecer uma negociação institucional com o partido, Lula terá mesmo que negociar com os principais líderes que o apoiaram, no Congresso e nos estados. Só em março, quando acaba o mandato de Temer, o grupo governista deve eleger alguém para seu lugar. Talvez o deputado Jader Barbalho, com quem Lula conversou ontem. E é pela definição dos postos no Congresso que a conversa está começando. Num primeiro passo, Lula confirmou ontem o senador peemedebista Romero Jucá como líder do governo no Senado, cargo que foi ocupado durante todo o primeiro mandato pelo senador Aloizio Mercadante. Derrotado em São Paulo e atingido pelo caso do dossiê, Mercadante agora quer se dedicar ao debate econômico.

A conversa de ontem com Jader deu início à negociação com o PMDB, mas terá que ser ampliada. Um ponto de partida é a reeleição do senador Renan Calheiros para a presidência do Senado, que une toda a bancada. Cogitado para o cargo, o ex-presidente José Sarney avisa:

¿ Temos a maior bancada, não abdicaremos do direito ao cargo. Meu candidato é Renan.

E como é improvável que o PMDB fique também com a presidência da Câmara, embora tenha a maior bancada, este é o efeito colateral perigoso que Lula precisa administrar. Se aprendeu com os erros do primeiro mandato, como diz, precisa evitar situação parecida com a que levou à eleição de Severino Cavalcanti em 2005. Se, em troca da reeleição de Renan, a bancada na Câmara renunciar ao posto, a escolha ficará entre um petista e o atual presidente, Aldo Rebelo. A pretensão do PT pode ser legítima e o deputado Arlindo Chinaglia se torna opção preferencial do partido. Mas isso não basta: para ser viável, o candidato tem que contar com boa aceitação de outros partidos, da base e da oposição. Além de encolher no Ministério, como Lula deixou claro ontem, o PT pode ter que abdicar desta ambição.

Apostar na unidade do PMDB, em si mesmo uma salada de frutas, sempre foi uma temeridade. Mas hoje ela é mais possível do que foi em outros tempos. Ontem mesmo, pelo jornal ¿Zero Hora¿, o grupo gaúcho liderado pelo governador Germano Rigotto e pelo senador Pedro Simon anunciou que não fará oposição a Lula. Simon, crítico feroz do governo, refugou oferta da oposição tucano-pefelista para lançar-se candidato à presidência do Senado contra Renan. Outro foco de oposição é Garotinho, que, derrotado, deve enfiar a viola no saco. O governador reeleito de Santa Catarina, Luiz Henrique, apoiou Alckmin mas não está disposto a criar caso. Fora esses, todos são Lula.

Com as negociações em fase preliminar, é provável que Lula não tenha avançado na definição de critérios, pastas e nomes. Mas deve entender como obrigação da imprensa desvendar as articulações para a formação do novo governo, assunto de interesse geral e público.