Título: QUE CONGRESSO É ESSE?
Autor: ALEXANDRE CARDOSO
Fonte: O Globo, 09/11/2006, Opinião, p. 7

Agora que se concluiu o processo eleitoral, com a importante vitória do presidente Lula, é necessário que as lideranças políticas e a sociedade abordem, com coragem, o papel do Parlamento na democracia brasileira. O Poder Legislativo tem sido peça secundária no debate dos programas e metas de crescimento do país, não por culpa do sistema presidencialista, ratificado em plebiscito pelo eleitor, mas porque o Parlamento abre mão de seu dever e direito básicos: a elaboração de leis que promovam o desenvolvimento socioeconômico e cultural do país.

As estatísticas de votação no Congresso Nacional dos últimos quatro anos revelam que, na maioria esmagadora das vezes, o parlamento trabalhou para aprovar ou rejeitar decisões do Poder Executivo. É claro que esta ratificação colabora para conferir à nação o status de democracia. No entanto, não se pode admitir disparidades nas iniciativas das proposições que tramitam no Congresso. Entre 2003 e outubro deste ano, o Palácio do Planalto apresentou 421 proposições entre medidas provisórias, projetos de lei e propostas de emenda à Constituição. Desse total, 194 foram transformadas em lei, representando 46 por cento de aprovação. Quando as proposições partem dos parlamentares, o índice não chega a um por cento. Em quatro anos, foram 7.921 propostas apresentadas, e somente 73 se tornaram lei.

Seria irresponsável atribuir essas diferenças estatísticas apenas às prerrogativas dos presidentes das duas Casas de definir a pauta de votação. Da mesma forma, não se deve acusar o presidente da República de utilizar, mesmo que em excesso, o mecanismo das MPs. Tampouco os parlamentares, visto que os números são justos ao mostrar a alta produtividade de deputados e senadores. Na verdade, é preciso rever o Processo Legislativo e o Sistema Político que norteiam o debate e a votação dos temas que tramitam no Congresso Nacional.

O processo legislativo vigente está ultrapassado. Muitas das vezes, o período entre a apresentação e a votação de uma proposta se estende por vários anos, como aconteceu com a Reforma do Judiciário. Ao mesmo tempo, o enfraquecimento dos partidos reduziu o debate a uma polarização entre governistas e oposicionistas, como se tudo girasse em torno do Palácio do Planalto.

É urgente a implementação de uma Reforma Política que fortaleça os partidos e suas ideologias, permitindo, por exemplo, que as decisões do Colégio de Líderes tenham mais respaldo e eficiência na escolha e condução dos assuntos a serem debatidos pelo Congresso Nacional. O processo legislativo precisa ser agilizado com medidas que garantam um período máximo de tramitação de matérias. O tempo de 180 dias é mais que suficiente para a análise técnica e política de qualquer proposição. Findo esse prazo, a proposta passaria a trancar a pauta de votação, utilizando-se o mesmo procedimento adotado para Medidas Provisórias.

É hora de repensarmos o parlamento brasileiro. Não apenas a postura ética de seus representantes, mas sua essência enquanto poder constitutivo de uma sociedade que, a cada dia, desenvolve mais e mais sua capacidade crítica. Nós, parlamentares, devemos iniciar, já, a discussão e a votação da Reforma Política, bem como a revisão do modelo atual de legislar, sob pena de sermos considerados personagens coadjuvantes ou, pior, obsoletas da democracia brasileira.

ALEXANDRE CARDOSO é deputado federal (PSB-RJ).