Título: RUMSFELD, A PRIMEIRA VÍTIMA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 09/11/2006, O Mundo, p. 29

Bush afasta secretário de Defesa um dia após sofrer derrota histórica para democratas

Os democratas, que já estavam roucos de tanto gritar de alegria nas comemorações que vararam a madrugada de ontem, chegaram ao êxtase no início da tarde quando souberam que a sua vitória nas urnas tivera como consequência um êxito ainda mais significativo: a demissão do secretário de Defesa, Donald Rumsfeld.

A sua expectativa era a de obter esse resultado ao longo das próximas semanas ou meses, através de pressões sobre a Casa Branca ¿ já que as pesquisas de boca de urna mostraram que seis, de cada dez eleitores, disseram ser contrários à política dos Estados Unidos no Iraque.

Mas não foi preciso. O próprio presidente George W. Bush deixou claro, ao anunciar a saída de Rumsfeld, de que já decidira por sua remoção às vésperas das eleições, embora em entrevistas na semana passada reafirmasse a manutenção de Rumsfeld no posto. O presidente admitiu ontem, em entrevista coletiva, que mentira aos repórteres. E justificou:

¿ Eu não queria injetar uma grande decisão sobre a guerra (no Iraque) nos últimos dias de uma campanha. E além disso eu não tinha conversado ainda com Robert Gates. De qualquer forma, ganhando ou perdendo a eleição, Bob Gates seria o indicado ¿ disse Bush ao anunciar a saída de Rumsfeld e a indicação do ex-diretor da CIA, a agência central de inteligência, para substituí-lo.

Rumsfeld admitiu que está deixando o cargo por causa das mudanças provocadas pelas eleições parlamentares:

¿ Será um Congresso diferente, um ambiente diferente, que se move para uma eleição presidencial, com muito partidarismo, o que me fez achar que isso (a renúncia) seria uma coisa boa para todo mundo.

Os democratas já estavam bastante satisfeitos com a obtenção da maioria na Câmara de Deputados, depois de 12 anos. Precisavam de 15 novos assentos e conquistaram pelo menos 29 novos assentos (ainda faltavam ser definidos outros dez, no início da noite de ontem). E torciam pela confirmação da sua maioria também no Senado: obtiveram 50 lugares, contra 49 dos republicanos, e ainda faltava um por definir.

A queda de Rumsfeld foi, como costumam dizer os americanos, ¿a cereja do bolo¿. No entanto, o senador Carl Levin e o deputado Ike Skelton, democratas que participam da Comissão dos Serviços Armados, do Congresso, disseram que o seu partido espera que isso não tenha sido apenas uma maquiagem. Falando em nome de ambos, Skelton disse:

¿ Eu acho que é essencial que essa mudança seja algo mais do que colocar um rosto diferente numa velha política.

Bush não foi claro quanto à uma revisão dos planos. Disse apenas que tem pensado em alterar as táticas, mas não a estratégia. Apesar do seu anúncio ter satisfeito a oposição, restaram dúvidas e suspeitas em relação à sua disposição de realmente rever a política.

Parlamentares democratas citavam, insistentemente, como um dos fatores dessa desconfiança, um trecho do mais recente livro do repórter Bob Woodward (¿State of Denial¿), sobre o governo Bush. Entrevistado por ele, o presidente afirmou que não abandonaria a sua política para o Iraque nem mesmo se passasse a contar com apoio apenas da primeira dama, Laura, e seu cachorro.

Ontem, ao anunciar a demissão do secretário de Defesa, em entrevista coletiva na Casa Branca, Bush contou que tomara a decisão ¿depois de uma série de conversas bastante meditadas com Rumsfeld¿, e que lhe dissera que achava que tinha chegado a hora do Pentágono ter uma nova liderança:

¿ Ele foi um líder maravilhoso durante uma época de mudanças. Mas agora precisamos da uma perspectiva fresca ¿ disse o presidente.

Presidente se disse frustrado com o Iraque

Bush reconheceu que o resultado da eleição traduziu a frustração dos americanos com a falta de progresso no Iraque. E disse que compreendia isso muito bem:

¿ Eu também estou frustrado. Gostaria que isso já tivesse sido resolvido rapidamente. O secretário Rumsfeld também. Mas a realidade é a de que se trata de uma luta dura. E vamos vencer essa luta. Eu acredito verdadeiramente que a única forma que fará com que não vençamos é sair de lá antes de acabar o serviço ¿ disse ele, dando a entender que pretende manter o atual estado de coisas, apesar de algumas alterações de rumo.

Ao comentar sobre a situação no Iraque, Bush viu-se na contingência de corrigir ¿ ou se retratar ¿ de uma declaração que repetira à exaustão nos últimos dias de campanha. Ele dissera, em comícios, que votar no Partido Democrata seria como votar a favor dos terroristas ¿ insinuando que a oposição pretende retirar as tropas americanas do Iraque.

Ao abordar isso, ontem, Bush disse que tinha um recado para os insurgentes e terroristas em geral. Ele os alertou para que não vissem a mudança no Pentágono como um resultado da eleição:

¿ Não se alegrem. Não confundam os movimentos de nossa democracia como uma falta de disposição.

Em seguida, uma mensagem ao povo do Iraque:

¿ Não tenham medo. Os Estados Unidos estarão com vocês.

E, então, uma mensagem aos soldados:

¿ Não duvivem. Os Estados Unidos sempre os apoiarão.

O anúncio de Bush surpreendeu o Pentágono onde, poucos minutos antes, o porta-voz Eric Ruff, disse que Rumsfeld havia participado de uma reunião e não fizera menção alguma à sua saída. Perguntado por jornalistas se a derrota do governo na eleição pressionaria o secretário de Defesa a renunciar, ele respondeu:

¿ Ele não está renunciando. Muito pelo contrário. Ele, na verdade, fica bem melhor de ânimo quando é criticado.

A demissão de Rumsfeld já tinha sido sugerida claramente por Nancy Pelosi, a nova presidente da Câmara, durante a festa da vitória em Washington, na madrugada de ontem:

¿ Não podemos continuar nesse caminho catastrófico no Iraque. Por isso dizemos ao presidente: precisamos uma nova direção no Iraque. Vamos trabalhar juntos para encontrar uma solução para essa guerra.

Muitos viram o dedo de George Bush pai na nomeação da Gates. Ele é uma velho amigo da família. Foi seu conselheiro e também de Ronald Reagan, na Casa Branca, e nomeado por ele como diretor da CIA em 1991, onde já trabalhara por vários anos. O atual presidente já tinha cogitado em trazê-lo de volta.