Título: O GRANDE ARQUITETO DE UMA GUERRA IMPOPULAR
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Fonte: O Globo, 09/11/2006, O Mundo, p. 30

Donald Rumsfeld é conhecido por sua visão extremamente conservadora e belicista nas relações internacionais

WASHINGTON. A queda de Donald Rumsfeld é também, segundo analistas, a saída de um dos cérebros mais brilhantes e conservadores do núcleo duro da Casa Branca, conhecido como o grupo dos falcões, que gira em torno do vice-presidente Dick Cheney e compartilha uma visão belicista das relações internacionais. O perfil do agora ex-secretário de Defesa costuma ser classificado como radical até mesmo para conservadores ferrenhos, como o ex-secretário de Estado durante a Guerra do Vietnã e republicano Henry Kissinger.

¿ Não me lembro de ter conhecido um homem tão mau e com uma visão tão belicista do mundo quanto Rumsfeld ¿ disse ele.

Com 74 anos, Rumsfeld foi o secretário de Defesa mais velho dos Estados Unidos e, na década de 70, o mais novo. Em 1975, durante o governo do presidente Gerald Ford, assumiu, aos 43 anos, o mesmo cargo que deixou ontem. Dono de uma carreira política meteórica e muito semelhante à do amigo Cheney, ele se tornou congressista aos 30 anos, em 1962, depois de largar a carreira militar como piloto de avião da Marinha. Já em seu primeiro mandato como deputado, ocupou a presidência da casa e se tornou um dos políticos de maior prestígio em Washington. Em 1969, deixou o Congresso para integrar o alto escalão do governo do presidente Richard Nixon.

Em 1973, foi enviado para Bruxelas como embaixador dos Estados Unidos na Otan e só retornou a seu país dois anos depois, para se tornar chefe de Gabinete do presidente Ford. Meses depois, foi nomeado secretário de Defesa e passou a chefia de Gabinete para Cheney.

Um seguidor do liberalismo da Escola de Chicago

Após a derrota de Ford nas eleições para o democrata Jimmy Carter, Rumsfeld, em companhia de Cheney, deixou a política por alguns anos para assumir o comando de empresas privadas. Foi presidente da gigante farmacêutica Searle entre 1977 e 1985, trabalhou como assessor de grandes bancos americanos na segunda metade da década de 80 e, entre 1990 e 1993, comandou a empresa de tecnologia de comunicações General Instrument Corporation.

Mesmo exercendo funções na iniciativa privada, nunca deixou por completo o círculo do poder em Washington. Durante o governo de Ronald Reagan, foi assessor especial para temas polêmicos, como o controle da venda de armamentos para o Oriente Médio e o desenvolvimento de novas tecnologias de mísseis na antiga União Soviética.

¿ Rumsfeld se identifica totalmente com as teorias econômicas ultraliberais da Escola de Chicago e, na década de 80, teve aspirações de se tornar presidente sucedendo Reagan. No entanto, nunca se articulou de forma eficiente para conseguir ser candidato ¿ disse o analista político Mark Vidal.

No atoleiro do Iraque o motivo de sua renúncia

Entre os jornalistas americanos, Rumsfeld era conhecido por seus sorrisos irônicos durante as entrevistas coletivas. Sorrisos esses que passaram a ficar mais raros com os fracassos contínuos na guerra do Iraque, os escândalos nas Forças Armadas, como o da prisão de Abu Ghraib, e as perguntas cada vez mais constrangedoras dos repórteres.

O homem de confiança de George W. Bush para a Defesa desde o início do primeiro mandato, em 2000, teve, a partir do 11 de Setembro, um orçamento privilegiado para armar ainda mais os Estados Unidos e mobilizar o país nas campanhas contra o Afeganistão e, depois, contra o regime de Saddam Hussein.

Sua estratégia para derrubar o governo de Bagdá, no entanto, custou caro. A opção pelo belicismo sem qualquer estratégia para que o país, devastado pela guerra, se recuperasse economicamente e a falta de percepção de que o Iraque poderia se tornar uma bomba sectária acabaram por voltar a opinião pública e até mesmo os militares contra Rumsfeld.

Os problemas com os militares começaram a se intensificar em 2004, ano em que admitiu usar uma máquina para imprimir sua assinatura em cartas de condolências às famílias dos soldados mortos no Iraque. O episódio despertou a fúria dos veteranos e do alto comando, que passou a ver o secretário como um chefe que pouco se importava com sua tropa.

Em abril deste ano, Rumsfeld enfrentou sua pior crise com os militares. Ele foi duramente criticado por generais que serviram no Iraque, acusado de não considerar pedidos do alto comando.

As divergências não se limitaram aos militares. As brigas com a secretária de Estado, Condoleezza Rice, segundo a imprensa, precisaram da intervenção do presidente em várias ocasiões. Rumsfeld se recusava a atender aos telefonemas de Condoleezza.

A combinação de uma política desastrosa com sua figura cada vez menos carismática fez com que vários jornais americanos publicassem editoriais nos últimos meses pedindo sua saída. Bush, no entanto, sempre atuou como grande defensor da permanência de seu secretário, até que o recado das eleições parlamentares de terça o fez mudar de idéia.