Título: NOVA YORK, TRAMPOLIM DEMOCRATA
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Fonte: O Globo, 09/11/2006, O Mundo, p. 34

Estado dá vitória histórica ao partido e credencia Hillary para disputar Presidência

NOVA YORK. Os democratas fizeram barba, cabelo e bigode em Nova York. Pela primeira vez em 57 anos, um partido conseguiu eleger representantes para todos os cargos executivos e para as duas cadeiras no Senado. A vitória democrata em Nova York era esperada, mas até o partido foi surpreendido pelo tamanho da derrota imposta aos republicanos no estado.

A senadora Hillary Clinton, considerada uma forasteira ao se candidatar pela primeira vez, foi reeleita com impressionantes 67% dos votos, recebendo um atestado dos nova-iorquinos de que está pronta para entrar numa campanha nacional pela Casa Branca. Apesar de simbolizar as políticas sociais demonizadas pelo governo Bush, ela teve 25% dos votos dos conservadores, 75% dos independentes e um quinto dos republicanos, triunfo que prepara o palanque para a candidata anunciar, em breve, sua intenção de concorrer à indicação do Partido Democrata para a eleição presidencial de 2008.

¿ É óbvio que todo mundo está perguntando se vou ou não concorrer à presidência, o que me deixa lisonjeada. Mas ainda não me decidi ¿ disse, na festa da vitória democrata, Hillary, que não se incomodou de continuar sendo chamada de ¿Mrs. president¿.

Arrasadora vitória também teve o xerife de Wall Street, Eliot Spizer. Com a promessa de mudar tudo no primeiro dia de mandato, ele foi eleito governador de Nova York com o maior número de votos da história do Estado: 70%, marca que supera os 64,6% conquistados por Mário Cuomo em 1986. A onda democrata tirou do ex-governador o recorde de popularidade, mas trouxe sua família de volta ao poder: seu filho, Andrew Cuomo, foi eleito secretário de Justiça, cargo em que Spitzer fez fama como implacável defensor dos direitos dos americanos de classe média contra abusos dos grandes grupos financeiros e industriais.

Mesmo Alan Hevesi, candidato a state controler (uma espécie de auditor), foi eleito, apesar de uma semana antes da votação ter sido obrigado a pedir desculpas pelo uso de dinheiro público para pagar o motorista da mulher.

As pesquisas de boca-de-urna mostraram a irritação dos eleitores com a condução da guerra do Iraque e com os escândalos de corrupção envolvendo republicanos, motivos evocados pelos nova-iorquinos para votar em massa no Partido Democrata, que elegeu ainda mais dois deputados em Nova York, ajudando a garantir a maioria dos democratas na Câmara. Certamente, os milhões de dólares arrecadados por Spitzer e Hillary também deram uma mãozinha à consagradora vitória democrata em Nova York.

¿ Um espírito de mudança percorreu o país. A senhora conservadora de mais de 60 anos, que jamais pensou em votar nos democratas, dessa vez elegeu Hillary. Esta vitória maciça em Nova York será importante para alavancar a campanha presidencial de 2008 ¿ disse Jonathan Nagler, professor do Departamento de Política da New York University.

De olho em 2008, as primeiras palavras de Hillary na festa da vitória foram sobre a política americana no Iraque. Ao lado do ex-presidente Bill Clinton, ela partiu para o ataque contra o vice-presidente Dick Cheney.

¿ Na semana passada, o vice-presidente disse que continuaria velozmente na mesma direção no Iraque, independentemente dos resulados. Acredito que o povo americano respondeu: não tão rápido ¿ discursou a senadora, recebendo, em troca, aplausos e sorrisos do marido.

A verdadeira mudança na paisagem da política nova-iorquina pode vir com a eleição do novo governador, que põe fim ao reinado de oito anos do republicano George Pataki e promete acabar com os negócios a portas fechadas que caracterizaram a administração anterior. O xerife Spitzer, que conquistou várias vitórias na luta contra a corrupção, anunciou também que cortará gastos e impostos. Mas tem uma grande encrenca à sua espera, talvez ainda mais complicada do que suas brigas com as grandes companhias americanas: a reconstrução do Ground Zero, que amargou os últimos anos de Pataki no governo.

¿ Aos céticos que dizem que não dá para fazer, eu respondo que já ouvi isso antes e fiz o que era considerado impossível. Estou pronto para fazer de novo ¿ disse o xerife, cheio de confiança na própria pontaria.