Título: lula, estilo em mutação
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/11/2006, O Globo, p. 2

Desde que se reelegeu, o presidente Lula vem explicitando que terá uma nova conduta no cargo, em que já se pode observar um processo decisório mais presidencialista (menos assembleísta), um comportamento pessoal mais introspectivo, combinado com um maior diálogo com a imprensa e com os agentes políticos. Há virtudes nessas mudanças, mas também maiores riscos.

Nos jogos preliminares para a composição do ministério, por exemplo, ele já deixou claro que não vai compartilhar escolhas nem delegar negociações com aliados, como fez em 2002 e nas mudanças posteriores. Escolher pessoalmente os auxiliares é mais uma prerrogativa do governante, responsável último pela eficiência e pela conduta, inclusive ética, dos escolhidos. Deve ser mesmo dele a última palavra na construção de alianças e acordos políticos que resultarão na montagem do governo e na contrapartida política, que é o apoio parlamentar. Lula precisa mesmo selar com o PMDB, e com os demais partidos, uma aliança que mereça o nome de coalizão, que não seja mais um ajuntamento em torno do balcão de favores governamentais. Mas negociar sem mediadores, sem anteparos, pode deixar o governante exposto quando as coisas não saem a contento. Não é preciso ter lido Maquiavel para saber os danos que pode causar um "não". Sem falar que, assumindo pessoalmente a responsabilidade por acordos e escolhas, Lula não poderá mais dizer-se traído ou ignorar fatos graves.

Os auxiliares notam mudanças até no estilo adotado nas reuniões de trabalho. As duas da semana passada, para discutir infra-estrutura e medidas pró-investimento, foram comandas por Lula com uma postura mais "presidencialista", como dizem os auxiliares. Na verdade, com mais voz de comando e menos assembleísmo, o gosto petista pela discussão, pelo giro da palavra entre todos. em determinado momento, ele encerrou a conversa dando 15 dias para que os ministros apresentem medidas, não diagnósticos.

Outra mudança é na relação com a imprensa. Lula tem falado tanto, e com tanta facilidade, que alguns se perguntam por que ele evitou tanto dar entrevistas ou atender os jornalistas no primeiro mandato. Alguns têm uma suspeita: José Dirceu e Antonio Palocci, disputando a hegemonia no governo e pensando em 2010, teriam lhe incutido a idéia de que precisava preservar-se. A entrevista coletiva aos jornais, combinada no dia da eleição, não teria saído ainda porque ele tem falado quase todos os dias, às vezes mais de uma vez, como ontem. Conversou com jornalistas convidados para o almoço no Itamaraty, quando deu a forte indicação de que toda a equipe econômica, inclusive o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, deve ser confirmada. E voltou a falar na saída, quando foi cercado por repórteres. Mas é cedo ainda para saber se vai se tornar hábito.

Lula sempre teve também indisposição para dialogar com dirigentes partidários e parlamentares. Isso já ficou a cargo de Dirceu, de Aldo Rebelo, de Jaques Wagner e, finalmente, de Tarso Genro. Na campanha, ele tratou pessoalmente de acordos político-eleitorais, mas agora colocou-se inteiramente à frente das conversas com partidos e parlamentares para compor um governo de coalizão, provocando a mesma pergunta: por que ele não agiu assim no primeiro mandato? Os senadores, sempre mais mimados pelos governos que passam pelo Planalto, já se queixaram do desdém de lula, que não os chamava nem para viagens a seus estados. Mas também é cedo para saber se, apesar dos benefícios e também dos riscos implícitos, depois de formado o governo Lula manterá esta conduta - que Fernando Henrique, por sinal, explorava com bastante proveito para a unidade de sua coalizão.