Título: STF concentra investigação sobre mensaleiros
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 10/11/2006, O País, p. 10

Medida poderá beneficiar os 40 denunciados pelo Ministério Público Federal por envolvimento no escândalo

BRASÍLIA. Decisão tomada ontem pelo Supremo Tribunal Federal (STF) poderá deixar impunes os denunciados pelo Ministério Público Federal por envolvimento no escândalo do mensalão. Como não foi enviada à primeira instância da Justiça Federal a investigação contra a maioria dos 40 denunciados pelo Ministério Público Federal, parte dos ministros do STF considera que, ao manter processo com muitos acusados na corte, a lentidão no julgamento do caso poderá levar à prescrição dos crimes. Com isso, os denunciados não seriam punidos.

Por seis votos a cinco, os ministros do Supremo decidiram desmembrar o inquérito movido contra 40 pessoas. Mas também decidiram que continuarão sob a mira da mais alta corte do Judiciário os parlamentares que têm foro privilegiado e outros suspeitos de terem cometido crimes conexos. Na prática, dos 40 denunciados pelo Ministério Público, no máximo quatro deixarão de ser investigados pelo STF. O publicitário Duda Mendonça pode ser incluído nesse grupo que passará a ser processado na Justiça Federal.

Sessão de votação foi tensa e teve discussões acirradas

Entre os que acreditam que o caso pode acabar em prescrição dos crimes está o relator do inquérito, ministro Joaquim Barbosa. Ele sustenta que o STF não tem estrutura para investigar todos os denunciados em um prazo razoável. Se permanecessem no STF apenas os seis parlamentares incluídos na denúncia, aumentariam as chances de se julgar o caso até o ano que vem.

- Não vamos terminar esse processo antes que se conheça uma prescrição - protestou o ministro Cezar Peluso.

O ministro Ricardo Lewandowski corroborou:

- O desmembramento se mostra conveniente para impedir a prescrição.

O julgamento foi tenso e repleto de discussões acirradas. Cinco ministros votaram pelo desmembramento do inquérito: o relator Joaquim Barbosa, Lewandowski, Carlos Ayres Britto, Cezar Peluso e Marco Aurélio Mello. Eles queriam que continuassem no STF as apurações apenas contra parlamentares.

Outros cinco ministros - Carmen Lúcia Antunes Rocha, Eros Grau, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ellen Gracie Northfleet - optaram pela manutenção da unidade das investigações. O desempate coube a Sepúlveda Pertence. Ele sugeriu que o STF conduzisse as apurações de quem tem foro privilegiado e de quem estivesse envolvido nos mesmos crimes cometidos pelos parlamentares. Joaquim Barbosa deverá levar os nomes dos que serão investigados pela primeira instância ao plenário da corte na semana que vem.

Entre os denunciados têm foro privilegiado os deputados João Paulo Cunha (PT-SP), José Janene (PP-PR), Pedro Henry (PP-MT), Romeu Queiroz (PTB-MG), Professor Luizinho (PT-SP) e João Magno (PT-MG). A partir do ano que vem, o benefício será estendido a José Genoino (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PL-SP) e Paulo Rocha (PT-PA), que se elegeram para o Congresso Nacional no dia 1º de outubro. Como estão incluídos nos mesmos crimes supostamente cometidos por esse grupo, o ex-chefe da Casa Civil José Dirceu e o ex-presidente do PT Ricardo Berzoini continuarão a ser investigados pelo STF.

Até agora, os únicos cogitados para serem transferidos pela primeira instância são Duda Mendonça e sua sócia, Zilmar Fernandes. Eles foram denunciados pelos crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

Durante a sessão de ontem, Joaquim Barbosa argumentou que o STF tem jurisprudência no sentido de desmembrar investigações com número muito elevado de denunciados justamente para dar mais agilidade às diligências. Ele ressaltou que, se não houvesse a divisão, o tribunal teria de tomar o depoimento de cerca de 350 testemunhas, além dos denunciados.

- Não vejo sentido em dar seqüência a um inquérito com 40 denunciados quando apenas seis têm foro privilegiado. O procedimento inviabiliza, na prática, a entrega da prestação jurisdicional em prazo razoável - disse Barbosa em seu voto.

Grau: "O excesso de trabalho não justifica nada"

O procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, discorda. Para ele, as provas estão muito relacionadas entre si. Por isso, o desmembramento seria temerário para o andamento do inquérito. Cinco ministros concordaram com a tese. O defensor mais enfático dela foi Eros Grau:

- Não visualizo motivo relevante para justificar o desmembramento. A corte tem que enfrentar esse desafio. O excesso de trabalho não justifica nada.

O pagamento de mesada pelo governo a parlamentares em troca de apoio político foi descoberto em junho de 2005, quando o então deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) denunciou o esquema à imprensa. Em seguida, foi criada uma CPI no Congresso para apurar os fatos. Ao mesmo tempo, o Ministério Público também iniciou investigações. Jefferson teve o mandato cassado por admitir não ter contabilizado doações do PT.

Em abril deste ano, o procurador-geral apresentou ao STF denúncia contra 40 suspeitas de envolvimento com o esquema. Não há previsão de julgamento e conclusão das investigações, mas ministros calculam que o caso só deve ser transformado em ação penal em um ano.