Título: A volta do interventor
Autor: Célia Costa e Luiz Ernesto
Fonte: O Globo, 10/11/2006, O País, p. 15

Cabral anuncia que Sérgio Côrtes, desafeto de Cesar Maia, será secretário de Saúde

O governador eleito Sérgio Cabral anunciou ontem que o médico Sérgio Côrtes, atual diretor do Instituto Nacional de Traumato-Ortopedia (Into), será o seu secretário de Saúde, como antecipou ancelmo Gois, em sua coluna no GLOBO. Côrtes, que à frente do Into, onde está desde 2002, cortou gastos e enfrentou ameaças de morte, assumirá o cargo com autonomia para nomear sua própria equipe e terá a missão de reorganizar o sistema de saúde do estado, com a colaboração dos municípios. Precisará, inclusive, dialogar com a equipe do prefeito Cesar Maia, de quem é um desafeto. a rusga entre os dois começou em março de 2005, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu intervir na crise dos hospitais da prefeitura do Rio, nomeando Côrtes para coordenador-geral do processo.

Há alguns meses, ao lembrar a intervenção, Cesar Maia publicou em seu ex-blog (conjunto de notas de cunho político divulgadas pela internet) acusações contra Côrtes, levantando suspeitas em relação à sua gestão no Into e também sobre a compra de um imóvel na Lagoa. Ontem, em entrevista por e-mail, o prefeito reafirmou as acusações que fez contra o futuro secretário.

Côrtes, por sua vez, não quis alimentar a polêmica e disse que, até hoje, só ouviu menções elogiosas de Cesar Maia sobre ele. Ele acrescentou que a intervenção, que acabou suspensa três meses depois por decisão da Justiça, ajudou a aproximar União, estado e prefeitura para tentar resolver os problemas na saúde.

Futuro secretário descarta problemas

Côrtes defende que o município volte a ter a gestão plena (autonomia) para administrar os recursos do Sistema Único de Saúde (SUS) no Rio de Janeiro. Durante a intervenção, no ano passado, o Ministério da Saúde transferiu a gestão plena para o governo estadual. Com isso, a prefeitura deixou de receber da União R$700 milhões por ano.

- a relação com a prefeitura do Rio será perfeita. O secretário de Saúde do prefeito, Jacob Kligerman, é meu amigo. Minha administração no Into foi inspirada na gestão dele no Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Rio - disse Côrtes.

Cesar, por sua vez, disse que o problema na saúde não está em nomes. Mas no fato de o governo estadual não cumprir a emenda constitucional 29, que obriga os estados a investir 12% do orçamento em saúde. Segundo o prefeito, a falta de investimentos seria a causa de a rede da prefeitura viver sobrecarregada:

- Hoje, o estado retira da saúde uns R$400 milhões para pagar juros da dívida e fazer assistencialismo. Caso cumpra a Constituição, o novo secretário terá boa chance de acertar.

Corregedoria vai analisar contratos

Côrtes se reuniu ontem, na Fundação Getúlio Vargas (FGV), com Cabral, pouco depois que o governador retornou de Minas, onde se encontrou com o governador aécio Neves. antes de saber das declarações do prefeito, Cabral já afirmava que não temia qualquer mal-estar com a indicação do seu secretário:

- Eu o escolhi pela administração exemplar que fez no Into. Sérgio Côrtes cortou gastos e aumentou a oferta de cirurgias. Ele se transformou numa referência na gestão pública da saúde em todo o Brasil. a rede estadual enfrenta uma série de problemas, desde a ponta do atendimento à gestão dos recursos públicos. O secretário municipal de Saúde do Rio é amigo de Sérgio Côrtes. Inclusive, se a prefeitura quiser municipalizar as emergências que estão com o estado, faremos o que ela desejar - concluiu Cabral.

Côrtes adiantou ontem algumas de suas prioridades. Ele vai criar uma corregedoria para analisar os contratos já existentes e acompanhar futuras licitações. Ele disse que vai divulgar o resultado dessas análises na internet. Côrtes também pretende adotar o sistema de pregões eletrônicos, para reduzir os custos de aquisição de medicamentos.

O futuro secretário acrescentou que será necessário racionalizar o atendimento nas emergências no estado, com a criação de centrais de regulação de leitos, coordenadas pelas prefeituras do Rio e dos municípios da Baixada Fluminense.

O futuro secretário defendeu também triagens nas filas das emergências dos hospitais, para priorizar o atendimento aos pacientes em estado mais grave. Mas ressaltou que os investimentos só trarão resultado caso os municípios invistam na prevenção. Isso inclui recursos para os postos de saúde e a ampliação de Programas de Saúde Bucal e de Saúde Família (PSF). Côrtes lembrou que o número de atendimentos dos programas de prevenção do estado está entre os piores do país.

- a situação não será resolvida apenas com investimentos nos hospitais. É preciso oferecer melhores condições na rede básica. Isso inclui a criação de postos de saúde 24 horas para não sobrecarregar as emergências. além disso, será necessário racionalizar custos. Não é possível, por exemplo, que dois municípios vizinhos comprem, ao mesmo tempo, um tomógrafo ou um aparelho de ressonância magnética. É preciso estimular a formação de consórcios entre as cidades - acrescentou Côrtes.

O prefeito Cesar Maia, porém, observou que alguns desses serviços têm um preço:

- Se o futuro governador quiser mesmo pagar às prefeituras pelo terceiro turno dos postos de saúde, vai precisar de quase R$100 milhões - exemplificou Cesar Maia.

Sérgio Côrtes disse ainda que não pode prometer prazos para que o atendimento na rede de saúde melhore. Ele disse que vai procurar os tribunais de Contas do Estado (TCE) e da União (TCU) e os ministérios públicos do estado e federal, para saber quais são os principais problemas da rede. O atual secretário estadual de Saúde, Gilson Cantarino, também será ouvido.

ainda ontem, Sérgio Cabral anunciou que o líder do PMDB na assembléia Legislativa (alerj), Paulo Mello, será responsável por articular mudanças no projeto de lei orçamentária de 2007, encaminhado pela governadora Rosinha Garotinho, para atender suas prioridades de governo. Segundo ele, o interlocutor de Paulo Mello será o futuro secretário de Finanças, que também absorverá as atribuições da pasta de Planejamento. Cabral promete divulgar o nome desse secretário na próxima semana.

No fim da tarde, o governador eleito recebeu o deputado estadual Roberto Dinamite, mas eles não trataram de política. Cabral, vascaíno, anunciou o apoio à candidatura de Dinamite à presidência do Vasco da Gama. acompanhado pelo presidente da associação Comercial (acerj), Olavo Monteiro de Carvalho, eles posaram para fotos e e gritaram:

- Casaca, casaca! a turma é boa, é mesmo da fuzarca! Vasco! Vasco! Vasco!