Título: Brasil melhorou, mas ainda é o 10º país mais desigual do mundo
Autor: Cássia Almeida
Fonte: O Globo, 10/11/2006, O País, p. 26

ONU diz que motivos foram Bolsa Família, salário mínimo e novos empregos

O Relatório de Desenvolvimento Humano deste ano, lançado ontem pela ONU, mostrou os avanços que o brasil teve no combate à desigualdade de renda, já identificados em pesquisas nacionais. O país, que em 2004 ocupava a oitava posição entre os mais desiguais do mundo, conseguiu em 2006 cair para a décima posição entre 126 países.

"O crescimento econômico criou empregos e promoveu aumento real de salário. E um amplo programa social - o Bolsa Família - tem feito transferências de renda para sete milhões de famílias que vivem na pobreza extrema ou moderada para ajudar na alimentação, saúde e educação, criando benefícios hoje e bases para o futuro", destaca o relatório.

Nas contas do economista Sergei Soares, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), essa constatação aparece. O pesquisador verificou que um quarto da melhoria na distribuição de renda veio do Bolsa Família. Mas o impulso principal surgiu da desconcentração no mercado de trabalho.

- Bolsa Família, aposentadoria e pensões e o Benefício de Prestação Continuada (transferência de um salário mínimo para idosos pobres) foram responsáveis por cerca de 40% da queda entre 1995 e 2004 - disse Soares.

No Rio, família tem 3 filhos adolescentes fora da escola

Na família de Rosane Bispo e Carlos Alberto Santos, os R$95 recebidos do Bolsa Família e os R$100 do Cheque Cidadão, programa estadual de transferência, são as únicas fontes de renda. Com seis filhos, mais três sobrinhos e um sobrinho-neto morando numa casa de quatro cômodos, a família vive na comunidade Nova Holanda, no Complexo da Maré:

- Estou desempregado há cinco meses. Esse dinheiro ajudou muito nossa vida - conta Santos.

Rosane está fora do mercado de trabalho há seis anos. A procura por uma ocupação era sempre interrompida por gravidez. Hoje, Ítalo, de 3 anos, Lorraine, 5, e Carlos Aberto, 10, estão matriculados em creche e escola. Mas os mais velhos, Julio Cesar, de 16 anos, Juliana, 14, e Jefferson, 13, abandonaram os estudos:

- Já fiz de tudo, mas não consegui que voltassem à escola. Já estou matriculando eles de novo. Fico triste com isso - lamenta o pai.

A representante residente do Pnud no brasil, Kim Bolduc, cita ainda, além do Bolsa Família, o aumento real do salário mínimo e a criação de empregos como determinantes da redução da pobreza:

- As recentes reduções de desigualdade no brasil aparecem como exemplo a ser seguido.

Situação ainda é vergonhosa, dizem especialistas

Apesar da queda no ranking dos mais desiguais, o brasil ainda é motivo de vergonha, segundo especialistas. Nos números do relatório, os 10% mais pobres conseguem concentrar apenas 0,8% da renda total, enquanto os 10% mais ricos levam 45,8%.

A comemoração da melhoria da distribuição de renda reflete certa indulgência da sociedade brasileira com suas mazelas, na opinião da economista da UFRJ Lena Lavinas:

- Não temos o que festejar. Vamos esperar para ver se essa tendência de melhoria na distribuição vai se confirmar nos próximos dez anos.

Para o economista da USP Naércio Menezes Filho, a recente queda da desigualdade refletiu avanços educacionais na década de 90. Ele lembra que mais da metade dos jovens nascidos a partir de 1982 está cursando ou concluiu o ensino médio. Com mais mão-de-obra qualificada, diferenças de salários associadas à educação caíram.

- Se não melhorarmos a educação hoje, a desigualdade vai cair menos amanhã.

COLABORARAM Luciana Rodrigues e Demétrio Weber

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