Título: No papel e na prática
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 11/11/2006, O Globo, p. 2

O ecoNomista LuciaNo Coutinho, ligado ao PMDB, não foi ontem ao Planalto tomar cafezinho. Sob a coordenação do deputado Jader Barbalho, está sendo redigido o documento programático da coalizão que terá o PT e o PMDB como eixos, agregando outros quatro partidos. O programa econômico será uma de suas bases, assunto da conversa de LuciaNo com Lula.

Um documento pode não significar nada, o papel aceita tudo, costuma-se dizer. Mas uma aliança fundada em compromisso público, em torNo de políticas de goverNo, tem sempre mais valor e qualidade que os acordos fechados entre quatro paredes, baseados No loteamento dos cargos públicos e Nos favores governamentais. Neste Nosso estranho presidencialismo, não temos a tradição de construir coalizões programáticas, típicas do regime de gabinete. Mas é disso que eles estão falando. A Aliança Democrática (PMDB-PFL) que elegeu Tancredo foi selada em torNo de um documento de cinco pontos, destinados a garantir o coroamento da redemocratização.

O formalismo, entretanto, não suprime a base real de qualquer coligação, o compartilhamento do goverNo, um teste para a maturidade do PT. Quando insinua que seu partido será meNor No segundo mandato, o presidente Lula comete um sofisma. Quando reage, reivindicando um maior "protagonismo" - neologismo agora em moda na esquerda governista -, o PT usa também de falácia para conservar pelo meNos o que já tem. E não é pouco. O desafio de Lula é distribuir o que lhe sobra entre os demais partidos.

Encolhimento o PT já sofreu, ao longo do primeiro mandato, No qual tinha inicialmente 19 das 30 pastas. Hoje tem Nove e quatro secretarias (Pesca, Direitos HumaNos, Mulher e Igualdade Racial). Os três ministros do Palácio vão ficar: Dilma Rousseff, Luiz Dulci e Tarso Genro. Este até gostaria de ir para a Justiça, mas ministro continuará sendo. Outros dois petistas, Guido Mantega e Paulo Bernardo, parecem firmes na Fazenda e No Planejamento. Um sexto, Fernando Haddad, foi praticamente confirmado No MEC. E ninguém duvida de que um sétimo, Patrus Ananias, continuará No Desenvolvimento Social. Marina Silva dificilmente será substituída No Meio Ambiente. E é improvável que Lula tire seu companheiro sindicalista Luiz Marinho do Ministério do Trabalho. Mas com este não terá problema se precisar da pasta para fazer composições. Logo, não há encolhimento à vista, embora sejam poucas as chances de o PT levar Marta Suplicy para o Ministério das Cidades. Quando Lula diz que o PT já tem a Presidência e está de bom tamanho, tenta só amansar os aliados.

O problema do PP resolve-se com a pasta que já tem, Cidades, e com o mesmo ministro, Márcio Fortes, que tem simpatia até do PT do Rio. O do PTB, com a manutenção de Walfrido dos Mares Guia No Turismo. O do PR, ex-PL, com a volta de Alfredo Nascimento aos Transportes. Apesar do olho grande do PMDB, é nisso que Lula está pensando. O do PSB, com Integração Nacional, onde Ciro Gomes deixou seu secretário-executivo. O partido tinha também Ciência e TecNologia. O PCdoB pode contentar-se com Esportes. Ainda mais se Aldo Rebelo for reeleito presidente da Câmara.

O problema de Lula continua sendo o de ampliar a participação do PMDB. O partido gosta mesmo é de pastas com atividade-fim, com verbas gordas e ações visíveis pela população. É nessas que se faz política, com tudo que isso possa significar. Estão sobrando para o PMDB as três pastas que já tem (Comunicações, Saúde e Minas e Energia), bons latifúndios, e as que estão sem carimbo partidário forte: Agricultura, Reforma Agrária, Previdência, Justiça e Cultura. A dúvida é se isso bastará para contentar o partido, agregando-se ainda a presidência do Senado. Os peemedebistas temem que Lula empurre a composição final do Ministério para a última hora, para fazer tudo a seu modo. Já foi assim na última reforma ministerial.