Título: Médico já pode parar de tratar paciente terminal
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 11/11/2006, O País, p. 15

Conselho de Medicina aprova resolução que permite a suspensão de procedimentos em casos sem chance de cura

BRASÍLIA. O Conselho Federal de Medicina (CFM) aprovou uma resolução que permite aos médicos suspender ou limitar tratamentos e procedimentos que prolonguem a vida de pacientes em estado terminal, sem chance de cura. A resolução exige que o próprio paciente ou seu representante legal esteja de acordo e dê o aval ao médico.

A decisão, no entanto, não tem valor de lei. Desse modo, o profissional de saúde que adotar esse procedimento, mesmo com o aval da família, ainda correrá o risco de ser processado por homicídio. A resolução do CFM autoriza a chamada ortotanásia, que é diferente da eutanásia.

A decisão foi elogiada por outras entidades médicas e pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O Ministério da Saúde informou, no entanto, que vai criar um grupo de trabalho para discutir o teor da resolução, com ênfase nas suas implicações legais. A OAB também alertou que os médicos poderão ser processados por parentes dos pacientes se tomarem a medida.

"Idéia é deixar a vida seguir"

Na eutanásia, que é crime no Brasil, o médico age deliberadamente para interromper a vida de um paciente terminal, seja usando droga ou desligando aparelhos que o mantém vivo. Na ortotanásia, o que se faz é deixar de recorrer a equipamentos ou remédios que prolongariam artificialmente a vida, sem a possibilidade de cura e causando dor e sofrimento ao paciente.

- A eutanásia é uma atitude ativa em que o médico toma a decisão de interromper a vida. Aqui a idéia é deixar a vida seguir o seu caminho, porque a medicina não é capaz de resolver. A medicina não pode ser superior aos desígnios da natureza. Não estamos acelerando a morte de ninguém, só respeitando a vida - disse o presidente do Conselho Federal de Medicina, Edson de Oliveira Andrade.

Paciente ou família decidem

Edson Andrade citou o exemplo de pacientes terminais de câncer que já passaram por todo tipo de tratamento, sem chance de cura, e preferem morrer em casa, em vez de agonizar numa UTI. O raciocínio é que toda intervenção médica, por mais dolorosa e desconfortável que seja, se justifica à medida que abre caminho para a cura. Se isso não é possível, o conselho entende que o paciente e a família devem ter o direito de decidir se é o caso de prolongar a vida de modo artificial.

- Situações de mortes inevitáveis fazem parte do dia-a-dia. Os médicos não podem ser arrogantes e ter a soberba de querer ser mais do que a natureza.

Andrade esclareceu que o médico deve registrar no prontuário a decisão da família ou do paciente de suspender qualquer procedimento, ainda que a resolução não fale nisso.

O vice-presidente do CFM, Clóvis Francisco Constantino, membro da Câmara Técnica de Terminalidade da Vida do conselho, disse que o objetivo da resolução foi tranqüilizar os médicos, por um lado, encorajando-os a praticar a ortotanásia sempre que houver o aval da família, e por outro, combater o uso excessivo de recursos tecnológicos para prolongar artificialmente a vida de doentes terminais.

A exposição de motivos que acompanha a resolução reconhece que o tema é polêmico: "Um grave dilema ético que se apresenta hoje para os profissionais de saúde se refere a quando não utilizar toda tecnologia disponível", diz o texto do CFM.

- Somos contrários à eutanásia, que é um crime e uma infração ética - disse Constantino.

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