Título: Olho na Câmara
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 12/11/2006, O Globo, p. 2

Se o presidente Lula aprendeu tanto, como diz, com os erros políticos do primeiro mandato, tratará de forma absolutamente diferente a sucessão no comando das duas Casas do Congresso. No Senado, porque o governo continuará não tendo maioria segura ali. Na Câmara, a correlação de forças será bastante confortável, mas, com a doença do vice José Alencar, a escolha do primeiro imediato na linha sucessória torna-se uma questão muito delicada.

Não por conta de substituições eventuais nas ausências de Lula, caso o vice seja forçado a afastamentos freqüentes ou prolongados para seu tratamento. Nem por conta do bom andamento da agenda legislativa, pois isso depende muito, também, dos líderes governistas e da ação dos partidos. A delicadeza está no fato de que, embora o ambiente no Congresso esteja claramente caminhando para uma dissipação da beligerância que vem de 2005 e exacerbou-se na campanha, Lula ainda pode ser alvo de pedidos de impeachment, ainda que propostos por forças ou personalidades isoladas. Quem decide, solitariamente, sobre o destino desses requerimentos é o presidente da Câmara. Se é um leal aliado, manda arquivá-los sem alarde, como fez Aldo Rebelo, com mais de 20.

Nenhum, naturalmente, foi produto de uma articulação e decisão da oposição institucional. Fernando Henrique também foi objeto de mais de uma dezena de pedidos de abertura de processo similares. Mas se, de repente, o tempo vira, por conta de algum problema grave no governo, e o vice está afastado, o presidente da Câmara passa a ser diretamente interessado no impedimento do presidente. Não se está dizendo que algum dos postulantes atuais seja movido por tal arrivismo ou desperte desconfianças nesse sentido. Mas, no poder e na política, o imponderável existe e já produziu situações inimagináveis. O próprio Alencar, quando sofreu a primeira cirurgia, em julho, teria dito a Lula que ficasse à vontade para substituí-lo, o que foi naturalmente rejeitado. A doença do vice já teria despertado Lula para a delicadeza da sucessão na Câmara e fortalecido sua preferência pela reeleição de Aldo Rebelo, que hoje assume a Presidência pela primeira vez. Aldo é de inteira confiança, tem o respeito da Casa e discreta preferência de setores da oposição.

Independentemente da situação de Alencar, Lula já viu em 2005 no que deu a mistura de sua omissão com o destrambelhamento do PT, que foi para a disputa com dois candidatos. Deu Severino Cavalcanti.

O que está em curso, agora, é o esforço do PMDB para viabilizar a reeleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado. Uma vez conquistado esse posto, o PMDB, mesmo tendo a maior bancada na Câmara, dificilmente imporá um nome seu também na presidência dessa Casa. Embora os peemedebistas estejam dizendo que cada Casa é um caso, e dois já estejam no páreo (os deputados Geddel Vieira Lima e Eunício Oliveira), o natural é que, em contrapartida, apóiem um outro nome governista. Ou um nome do PT - partido mais votado e dono da segunda maior bancada -, ou a reeleição de Aldo Rebelo. Com isso, Lula ainda economizaria um ministério, que seria o do PCdoB.

Mas o PT já está dando mostras de que aprendeu pouco com a trapalhada de 2005. Na quinta-feira, a bancada quase lançou a candidatura do líder Arlindo Chinaglia. Foi contida. Ele une a bancada, um predicado importante. Mas não basta. Lançá-lo sem a costura prévia de apoios externos é repetir o erro cometido em 2005, com a candidatura de Luiz Eduardo Greenhalgh. Enquanto isso, o PMDB se articula e Aldo espera. Lula, dizem os palacianos, desta vez não deixará o jogo correr frouxo. A conferir.