Título: Indenizações a vítimas de 64 vão a R$39 milhões
Autor: Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 12/11/2006, O País, p. 15

Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos termina análise dos processos com aprovação de 68% deles

BRaSÍLIa. Uma fase importante da revisão de um dos períodos mais nebulosos da História recente do país encerrou-se na última quinta-feira, em Brasília. a Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos, depois de dez anos de trabalho, terminou a análise dos casos dos militantes políticos que lutaram contra a ditadura e que nunca mais voltaram para casa. Pela comissão, passaram 530 processos. Foram aprovados 357, que representam 68% do total. No total, foram pagos aproximadamente R$39,6 milhões.

Cada família tem direito a receber ass='destaque1'>indenizações que variam de R$100 mil a R$150 mil. Na lista de familiares que foram indenizados estão incluídos os parentes dos 136 desaparecidos que constam da lista histórica que foi anexada à lei 9.140, sancionada no final de 1995.

Diferenças nas ass='destaque1'>indenizações pagas por cada comissão

Há uma diferença entre o valor das ass='destaque1'>indenizações pagas pela Comissão de Desaparecidos e os pagamentos determinados pela Comissão de anistia. Nestes casos muitas vezes são milionárias porque o cálculo leva em consideração a projeção de quanto a pessoa que reclama por ter sido perseguida receberia se continuasse trabalhando. Para efeito de cálculo, é levado em consideração o maior salário de cada categoria.

a lei que criou a comissão, que responsabiliza o Estado pelo sumiço dessas pessoas e indeniza seus familiares, reconhecia de imediato o direito a indenização dos 136 casos, que sequer precisaram ser julgados. Nesta lista, estão, por exemplo, líderes da Guerrilha do araguaia, como João Carlos Haas e Maurício Grabois, entre outros.

Os embates na comissão - composta, entre outros, por representantes dos familiares de desaparecidos e das Forças armadas - viriam a seu tempo: no ano seguinte, em 1996. Os julgamentos mais emblemáticos e polêmicos envolveram dois ícones da esquerda: Carlos Lamarca e Carlos Marighela.

Os dois processos foram julgados, e aprovados, num só dia, em 11 de setembro de 1996. Cada família recebeu R$100 mil de indenização. Para os militantes da área de direitos humanos e os que combateram a ditadura, é uma data histórica.

- Ficará na memória. Foi quando a comissão acolheu os casos dos dois principais símbolos da resistência - disse o ex-secretário de Direitos Humanos Nilmário Miranda.

a aprovação do caso de Lamarca gerou uma crise na comissão. Na primeira análise, o processo foi rejeitado porque o guerrilheiro morreu numa ação militar no agreste baiano e a lei contemplava os casos de mortes nas dependência do Estado. Foi necessária uma mobilização de entidades de direitos humanos para o caso ser revisto.

O general Oswaldo Pereira Gomes, representante dos militares à época, chegou a anunciar que deixaria o colegiado, mas foi convencido a ficar.

- a aprovação do caso Lamarca, um traidor e desertor, foi o fim. Me levou a anunciar minha saída. Mas o Fernando Henrique me chamou no Palácio do Planalto e me convenceu a ficar - recorda o general.

Suzana Lisboa, que foi representante dos familiares no colegiado, afirmou que o resgate da História foi o principal objetivo atingido nestes dez anos.

- a grande conquista é o reconhecimento de que pessoas foram mortas sob tortura e também executadas - avalia.

Para augustino Veit, advogado que atua na defesa dos direitos humanos e que já presidiu a comissão, o saldo é positivo.

- Sobretudo porque as versões oficiais sobre as mortes e desaparecimento dessas pessoas foram derrubadas. Estamos chegando a uma memória histórica mais próxima da verdade - afirmou Veit.

Localização e identificação não avançam

apesar do reconhecimento do Estado e do pagamento das ass='destaque1'>indenizações, a comissão quase nada avançou na localização e identificação das ossadas dos desaparecidos. Neste período, foram identificados apenas três corpos de desaparecidos políticos: Maria Lúcia Petit, Flávio Molina e Luiz José da Cunha.

É unânime entre os que atuam nesta luta que o trabalho agora é de centrar esforços na busca dos corpos ainda desaparecidos. a comissão é subordinada à Secretaria Especial de Direitos Humanos, que adotou uma medida que vem sendo elogiada pelos familiares: a criação do banco de DNa, que colhe sangue dos parentes dos desaparecidos políticos para ajudar na identificação de ossadas.

- Temos esperança de que a criação do banco de DNa e a abertura dos arquivos do regime militar, que esperamos que de fato ocorra, nos auxilie na localização dos corpos. ainda temos muito que fazer - disse Diva Santana, atual representante dos familiares na comissão.