Título: 'A gente vai para não voltar mais'
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 12/11/2006, O País, p. 18

Muitos fazem a viagem em ônibus irregulares, por causa das passagens mais baratas

SÃO PAULO. Apreensivas, oito pessoas chegam à rodoviária do Tietê, em São Paulo. A família toda está ansiosa. Depois de 17 anos em São Paulo, eles vão embarcar de volta para Ilhéus, na Bahia. Enquanto o marido Antonio Costa dos Reis, de 48 anos, resolve um contratempo de última hora, devido ao excesso de bagagem, a mulher dele, Adenir Ferreira Alves, de 45 anos, cuida dos mais de 20 volumes, entre malas e caixas da família.

- A gente vai para não voltar mais. Tem que levar tudo, né? Mas é só roupa e as panelas - revela, enquanto a filha mais nova, Camila, de 4 anos, se agarra em suas pernas.

Adenir e Antonio vão viver em Ilhéus com os filhos Cleison, de 20 anos, Willio, de 18, Carla, de 16, Wellington, de 13, Cleidiane, de 12, e a pequena Camila em uma chácara. O irmão de Antonio cedeu a propriedade para a família morar e cultivar feijão.

- Se Deus nos ajudar, vai dar tudo certo. Lá vai ser melhor. Pior que isso não pode ser, não. Vamos tentar a sorte grande - aposta Antonio.

Entre Ibiúna e Campinas, onde moraram até a última quarta-feira, foram 17 anos longe da Bahia.

- Aqui é tudo muito difícil. O serviço cada vez mais difícil. Lá a gente vai ter a família e quem sabe uma ajuda do prefeito, de alguém que vai olhar por nós - diz o pedreiro, que investiu R$1.190 na mudança da família.

Adenir lembra que, em Ibiúna, onde moraram por sete anos, chegaram a receber uma "ajuda". A possibilidade de voltar a conseguir a "ajuda", como ela chama o Bolsa família, é animadora:

- Lá a gente consegue se manter com menos. Se conseguir a ajuda, serve pelo menos para o feijão dos meninos...

Também o casal José Cícero Rodrigues, de 40 anos, e Mabel Pereira, de 37, embarcou para Paulo Afonso (BA) na sexta-feira. Ele ainda tinha trabalho, como empregado de uma empresa de terceirização de mão-de-obra em São Paulo. Mas a vida era muito difícil, o salário era baixo e a saudade da família, enorme.

- Minha mulher recebe aposentadoria. Ele tem marca-passo. Com isso a gente vai garantido - conta Zé Cícero, que vai morar na casa da sogra.

- Não vejo a hora de chegar lá - torce Mabel.

Da mesma forma que o casal de Paulo Afonso, a família de Ilhéus viajou em ônibus irregular.

- Aqui a passagem custa R$160. A outra lá é R$249 - compara Cícero.

A empresa Vitor Vir, que faz três viagens por semana para Paulo Afonso, leva entre 44 e 46 pessoas em cada ônibus. O embarque dos passageiros, em frente à empresa, faz a calçada da rua Uruguaiana, no Brás, se transformar em rodoviária.

- Muita gente não tem condições de pagar mais que isso. A maioria não tem nada. É gente que recebe a ajuda de igreja, de instituições de caridade, para poder voltar - conta a pernambucana Simone Maria Feitosa dos Santos, dona da empresa.

Ela mostra cópias de documentos e diz que a empresa não é clandestina:

- Só falta o alvará. Já paguei todas as taxas, mas a prefeitura não dá.

Há cerca de dois anos, antes de ações de repressão, segundo ela, eram 36 empresas como a dela no bairro.

Cauteloso, o designer Gustavo Portela, de 34 anos, preferiu fazer a viagem de volta a Recife nos ônibus tradicionais da rodoviária Tietê, depois de três anos em São Paulo.

- Vim tentar, como a gente diz lá, a sorte grande. Mas aqui é muito difícil. As pessoas são muito falsas. Todo mundo se acha tampa de cocho, o bambambã.

Profissional qualificado, Gustavo diz que além de se especializar em sua profissão, de designer de ambientes em 3D, ainda se formou como webdesigner.

- Acredito que lá vai ser melhor. Lá eu conheço. E vou chegar mais aperfeiçoado - aposta. (A. A. B.)