Título: Bolsa Família causa migração de retorno
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 12/11/2006, O País, p. 18

Sem a oferta de emprego dos anos 80, nordestinos deixam São Paulo atrás de renda garantida pelo governo

SÃO PAULO. O sonho acabou. Para muitos nordestinos que escolheram São Paulo como local para construir uma nova vida, o caminho agora é de volta. A terra paulista, que foi nas últimas décadas o principal destino dos migrantes do Nordeste, perdeu seu principal atrativo. Os empregos, abundantes nas décadas de 80 e 90, desapareceram com a precarização do trabalho. Quando encontra o "serviço", o nordestino ganha menos. Na terra natal, além de reencontrar os familiares, os programas sociais do governo, como o Bolsa família, garantem a sobrevivência e são hoje um dos principais atrativos para o retorno.

Dados da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD) de 2004 cruzados com o Censo de 2000 mostraram o que estudiosos chamaram de "migração de retorno". Saíram do estado de São Paulo de volta para o Nordeste 457 mil pessoas, enquanto outras 400 mil fizeram o caminho inverso. Foi a primeira vez que mais nordestinos saíram do que entraram em São Paulo. De acordo com o demógrafo José Marcos Pinto da Cunha, pesquisador do Núcleo de Estudos da População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), a taxa de migração paulista foi 29% menor quando se compara os dados do PNDA de 2004 com os números do Censo de 2000.

- Esse fenômeno se deve principalmente à migração de retorno: muitas pessoas, que migraram para o estado em busca de melhores oportunidades e não conseguiram se fixar, estão voltando para seus estados natais - explica.

Segundo José Marcos, é certo que o Bolsa família e benefícios sociais como a aposentadoria rural, por exemplo, têm sido decisivos na opção pela volta ao Nordeste:

- Não há dúvida de que Bolsa família é decisivo, assim como a aposentadoria rural. Já há estudos comprovando que essas políticas de distribuição de renda estão fixando as pessoas em seus locais de origem.

Apesar de ainda atrair migrantes, São Paulo não oferece mais tantas oportunidades como no passado. Com uma escolaridade média de 7,1 anos, bem abaixo dos migrantes de outros estados e dos paulistas, os nordestinos que vivem em São Paulo nos últimos cinco anos enfrentam uma taxa de desemprego que chega a 18,3%, praticamente o dobro da média nacional. O índice é maior que os 12,5% entre os residentes no Nordeste vindos de São Paulo.

SP: aumento de 200 mil pobres

Quando consegue emprego, o nordestino geralmente tem salário baixo. Um terço trabalha na construção civil ou em serviços domésticos e, além disso, 67% ganham até um salário mínimo, ou R$350. Isso contribuiu para que a proporção de pobres na região metropolitana de São Paulo tenha aumentado em mais de 200 mil pessoas, diz estudo do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).

José Marcos Cunha lembra que a transformação no mundo do trabalho é a grande responsável pela "migração de retorno". Desde os anos 80, o emprego na indústria e na construção civil, setores que tradicionalmente absorviam a mão-de-obra pouco qualificada, vem diminuindo. Além do fechamento de vagas, o pesquisador chama a atenção para a precarização do trabalho no setor de serviços.

Com menos trabalho, a PNAD 2004 mostra que o rendimento em São Paulo foi 5,3% menor que o registrado no ano anterior e que a renda per capita dos pobres é de apenas R$250,79, menos de um salário mínimo.

- Mesmo quem está empregado não está necessariamente livre da linha da pobreza. Todos esses fatores dificultam a assimilação do migrante e a inserção dele no mercado de trabalho, por isso muitos optam pelo retorno à região de origem - observa o demógrafo.

A pesquisadora Rejane Lira, orientanda de José Marcos, fez um trabalho mostrando o retorno para Recife.

- Eles retornam para suas casas. São 70% os que chegam ao local de onde saíram.

Utilizando os estudos de José Marcos, o pesquisador Herton Ellery Araújo, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) fez um trabalho para mostrar as características desses migrantes, tendo como base a PNAD de 2004. Ele comparou também os migrantes "de retorno" com os que já voltaram ao Nordeste há cinco anos e detectou que a maior parte deles tem até 45 anos. São pais levando para o Nordeste os filhos jovens, muitos nascidos em São Paulo. A escolaridade, segundo o levantamento, também é menor, com 6,4 anos de estudo.

Segundo ele, os de menor escolaridade não conseguem se enquadrar porque têm dificuldades para achar vaga no mercado de trabalho. Por isso acabam voltando. Mas, quando voltam, conseguem ocupar mais vagas na indústria do que os residentes no Nordeste há mais de cinco anos.

- Ao migrar, eles aprendem mais. Talvez tenham até mais condições de serem empreendedores do que os que ficaram - analisa Herton Araújo.