Título: 'Investimos no fortalecimento da polícia'
Autor: Paulo Marqueiro
Fonte: O Globo, 12/11/2006, Rio, p. 29

Ex-secretário de Segurança de Bogotá conta como conseguiu reduzir índices de criminalidade na capital colombiana

O sociólogo Hugo Acero, de 45 anos, foi secretário de Segurança de Bogotá, na Colômbia, durante nove anos (de 1995 a 2003). Em sua gestão, que se estendeu por três governos, a taxa de homicídios despencou de 80 para 23 (por cem mil habitantes), uma redução de 71%. Em entrevista ao GLOBO, quarta-feira à noite, na sede do Viva Rio, na Glória, Acero, que hoje é consultor da ONU, contou como Bogotá enfrentou o crime. Em sua quarta visita ao Rio, o colombiano, que se hospedou no Hotel Glória, ficou surpreso ao ser informado de que não deveria passear no vizinho Parque do Flamengo:

- Uma cidade onde não se pode caminhar é uma cidade que perdeu a sua essência - afirma.

Legenda da foto: ACERO: "AS PESSOAS terão a segurança que estão dispostas a pagar"

Como era a situação de Bogotá em 1995?

HUGO ACERO: Encontramos uma cidade suja, violenta, desordenada, em que o espaço público estava ocupado por ambulantes. A polícia passava por mudanças importantes, mas tinha poucos carros e todos muito velhos. Não tinha motos e nem meios de comunicação. Nos quartéis, as instalações estavam malconservadas.

E o que foi feito?

ACERO: investimos no fortalecimento da polícia. Passamos de US$5 milhões, no período 93-95, para US$24 milhões, no período 95-97. De 98 a 2001, foram investidos US$48 milhões e, em 2003, US$52 milhões.

Como foram usados esses recursos?

ACERO: O dinheiro foi usado para comprar carros, motos, bicicletas, rádios, meios de comunicação e para construir novas delegacias. Não foi só um fortalecimento físico. Nós levamos toda a polícia a uma explosão de capacitação.

De onde vieram os recursos para isso?

ACERO: Saíram dos impostos. Houve, sim, aumento de impostos. As pessoas terão a segurança pela qual estão dispostas a pagar.

Como aconteceu a redução da criminalidade?

ACERO: Em 94, Bogotá tinha uma taxa de 80 homicídios por cem mil habitantes. Naquele ano, ocorrem 4.352 homicídios. Os meios de comunicação diziam que ela era a capital mais violenta da América Latina.

Em 2003, quando o senhor saiu, quais eram os índices?

ACERO: A taxa de homicídios estava em 23 por cem mil habitantes. E, este ano, ela vai terminar em 18 por cem mil habitantes. Vamos ter menos de 1.200 homicídios em 2006. Os demais delitos tiveram redução de mais de 50%.

Vocês fizeram um trabalho semelhante ao Tolerância Zero, de Nova York?

ACERO: Claro, nós aprendemos com a experiência de Nova York, mas não realizamos uma ação tão repressiva, sobretudo em setores vulneráveis, como os indigentes, por exemplo. O objetivo não era persegui-los ou prendê-los. Criamos infra-estrutura para atendê-los. Em relação aos ambulantes, o objetivo não era apenas retirá-los das ruas, mas levá-los para outro lugar onde pudessem desenvolver alguma atividade econômica.

Os homicídios no Rio estão intimamente ligados ao narcotráfico. Essa situação acontecia também em Bogotá?

ACERO: Os homicídios em Bogotá tinham a ver com delinqüência comum e também com delinqüência organizada. Gente que roubava carros, motos, gente que assaltava bancos e gente que estava ligada à venda de drogas. Mas, em termos gerais, não havia presença do narcotráfico com organizações tão fortes como em Cáli e Medellín.

Quantos por cento dos homicídios estavam diretamente ligados ao narcotráfico?

ACERO: Eu diria que não passavam de 10%.

Como era a confiança da população na polícia?

ACERO: Em 92, somente 17% confiavam na polícia. Em 2006, esse índice é de 75%. A polícia teve de tirar de suas fileiras mais de 15 mil homens, de um total de 130 mil em todo o país. Por mau comportamento, por corrupção. Foi quando começou um processo de depuração, de transformação cultural, que levou 14 ou 15 anos.

No Rio, os bandidos estão fortemente armados. Isso ocorria também em Bogotá?

ACERO: Digamos que todos os delinqüentes organizados estão bem armados, mais bem armados do que a polícia. Com melhores carros, com melhores motos, com melhores meios de comunicação.

E o que vocês fizeram para recuperar essas armas?

ACERO: Atacamos. Tomamos a decisão de entrar com a polícia e mantê-la nos lugares. Naquele lugar onde se vendia tanta droga, derrubamos as casas, construímos um parque e levamos as famílias para outra parte da cidade.

Houve muitos confrontos nesse processo?

ACERO: Em Medellín, havia um lugar muito parecido com qualquer favela do Rio. Era dominado por um grupo de guerrilheiros. Houve um enfrentamento de 20 dias, entre a força pública e os guerrilheiros, casa a casa. Até que a polícia conseguiu tomar o território. E a primeira coisa foi construir uma delegacia de polícia, para não sair mais. E se começou a investir em educação, saúde, em tudo. A partir daquele momento, os delinqüentes compreenderam que a coisa era séria, que a polícia havia chegado para ficar.

Em algum momento as Forças Armadas participaram dessas ações?

ACERO: Não, nós não utilizamos o Exército, porque ele não está treinado para atender a sistemas tão complicados. Ele está treinado para ter um inimigo, atacá-lo e eliminá-lo. E creio que nesses lugares, onde há problema de delinqüência, nem todos são inimigos. O Exército não saberia distinguir quem é delinqüente de quem não é.

Quais as diferenças e as semelhanças entre Bogotá e Rio na questão da segurança?

ACERO: Cada vez mais nos parecemos nos problemas que temos. Aqui se vende muita droga, como acontece em outros lugares. Existem, claro, diferenças geográficas, culturais. Não creio, por exemplo, que o Rio suportasse fechar os bares à 1h, como fizemos em Bogotá. O Rio deve conhecer várias experiências e trazer para cá o que achar melhor.

Para desenvolver esse trabalho, vocês tinham uma boa base de informações?

ACERO: Sim, em Bogotá, 74% dos homicídios acontecem à noite, das 18h às 6h. E 65% deles se concentram em 92 dos 1.600 bairros. Isso muda a estratégia policial. Sabíamos perfeitamente que carros se roubavam, que modelos se roubavam, que marcas se roubavam. Tínhamos informações detalhadas sobre tudo isso. Se tenho informação confiável, faço as coisas. Mas, além de informação, tenho que trabalhar de maneira coordenada com as outras instituições, todos os meses, todos os dias.

O senhor foi secretário de Segurança durante três governos. A continuidade administrativa foi importante?

ACERO: Sim, porque permitiu fazer um plano de longo prazo. O prefeito atual, que é de outro partido, descuidou um pouco do tema e a violência aumentou um pouco.

O senhor acha possível reduzir a violência no Rio?

ACERO: Claro. Uma vez li numa revista que o Rio havia perdido 15% de turistas por causa da violência. São 15% menos empregos, 15% menos impostos, 15% menos tudo. Se o Rio vive do turismo e perde 15% da maneira que está perdendo, há que se intervir. Mas, na verdade, essa é uma decisão política. Fico surpreso - e digo isso da maneira mais respeitosa possível - que Marcola tenha tanto poder e não seja levado a uma prisão onde não possa controlar nada. Como um criminoso desses bloqueia uma cidade como São Paulo, a mais industrializada da América Latina, e não acontece nada com ele?