Título: Educação não garante emprego
Autor: Bruno Rosa
Fonte: O Globo, 12/11/2006, Economia, p. 31

Desemprego entre pobres é 17 vezes maior do que de ricos com mesmo nível de estudo

Nem sempre estudar é sinônimo de ter emprego garantido. Pesquisa feita pelo economista Carlos Alberto Ramos, da Universidade de Brasília (UnB), revela que berço é fundamental para garantir espaço no disputado mercado de trabalho. Os números são estarrecedores. Com 15 anos ou mais de estudo, ou seja, com o curso superior completo, a taxa de desocupação da elite é de 2,64%. No grupo dos menos favorecidos, o índice sobe para 46,55%. Ou seja, entre os 10% mais pobres da População Economicamente Ativa (PEA), o desemprego é 17 vezes maior do que entre os 10% mais ricos com o mesmo grau de instrução.

O levantamento aponta ainda que, ao sair do ensino médio, com dez anos de estudo, o desemprego entre os pobres é quatro vezes maior em relação ao dos mais ricos: de 31,43% contra 8,59%. A pesquisa foi baseada no cruzamento de renda, escolaridade e desemprego apurados na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2005 (última pesquisa), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A renda per capita familiar mensal entre os 10% mais pobres é de R$43,18. Entre os 10% mais ricos, R$2.003,33.

Pais e amigos influenciam na hora da contratação

As razões para tamanha diferença são a falta de crescimento sustentável da economia e o currículo social, dizem especialistas. Na opinião de Ramos, informações como a instituição em que o trabalhador foi escolarizado, o ambiente familiar, o bairro onde mora e a renda dos amigos são avaliados pelas empresas na hora de contratar.

- As escolas particulares têm mais qualidades quando comparadas às do ensino público. Por mais que os anos de estudo sejam iguais, as empresas sempre vão dar prioridade ao trabalhador escolarizado no sistema privado. Outras questões subjetivas também ganham peso. Uma mãe sem cultura geral, por exemplo, implica uma criança com mesma bagagem cultural - diz Ramos.

Fernanda de Souza, de 26 anos, sempre estudou em escolas públicas. Aprendeu a falar inglês num curso comunitário. Há dois anos, terminou o curso de administração em uma faculdade particular. Ela, que mora com os pais e o irmão, em Lins de Vasconcelos, na Zona Norte do Rio, tem dificuldades em entrar no mercado de trabalho.

- Somos pobres. Nunca tivemos dinheiro para nada. Mas, mesmo assim, não desisti. Só consegui empregos fora da minha área. É muito duro quando se participa dos processos seletivos e você vê que alguém com viagens para fora do país e com dinheiro consegue o emprego. Minha mãe é doméstica e meu pai vende biscoito na praia. Às vezes, dá vontade de largar tudo - diz Fernanda.

Mesmo assim, Ramos, da UnB, endossa a importância do estudo:

- Se as pessoas não estudarem, a situação vai se agravar ainda mais, aumentando a distância entre as classes sociais.

Marcelo de Ávila, especialista em mercado de trabalho do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), endossa a relação entre o grau de instrução dos pais e o que o filho aprende na sala de aula.

- As escolas não são as mesmas. A pública não tem os mesmos recursos que as escolas particulares oferecem aos seus alunos. Ainda há os cursos extracurriculares como idiomas e olimpíadas de matemática. E como o trabalhador põe tudo isso na prática? Depende do estímulo da família - afirma Ávila.

O economista do Ipea ressalta que o mercado de trabalho tornou-se mais competitivo a partir da abertura comercial, na década de 90. As empresas foram obrigadas a aumentar sua produtividade e, com isso, passaram a selecionar mais os profissionais que contratam. Assim, o grupo de ocupados com 11 ou mais anos de estudo avança. Somente entre 2004 e 2005, sua participação cresceu dois pontos percentuais, chegando a 38%.

- O mercado de trabalho ficou mais inclusivo. Mas, é claro, dentro do grupo cuja escolaridade é maior, a tendência se mostra diferente. O crescimento das vagas é desigual e não absorve todo mundo. Em famílias ricas, os pais estimulam a dedicação de seus filhos exclusivamente aos estudos até a entrada no ensino superior - diz Ávila.

Com renda familiar acima da média, Juliana Caldeira, de 21 anos, termina este ano o curso de publicidade na PUC-Rio. Ela nunca trabalhou e sempre foi orientada pelo pai, que é contador, a se dedicar só aos estudos por boa parte de sua vida.

- Meu pai sempre conseguiu me manter. Estou terminando a faculdade e quero trabalhar para arcar com os custos de novos cursos. Sempre procurei emprego, mas nada muito interessante. Quero trabalhar na área. Tenho quatro idiomas e fiz vários cursos de extensão dentro da faculdade - diz Juliana, que mora no Centro.

ESPECIALISTAS DEFENDEM CRESCIMENTO ECONÔMICO E MELHORIA NAS ESCOLAS, na página 32