Título: Dividido, governo vive dilema do dólar barato
Autor: Eliane Oliveira, Martha Beck e Patricia Duarte
Fonte: O Globo, 12/11/2006, Economia, p. 38

Ala desenvolvimentista sonha com taxa de R$2,50, mas guinada impulsionaria inflação e teria impacto na renda

BRASÍLIA. A cada dia, cresce a insatisfação no governo com o patamar da taxa de câmbio, na casa dos R$2,15 - excessivamente valorizado na avaliação da ala desenvolvimentista e de integrantes da equipe econômica. Essa questão, tratada como dogma desde a maxidesvalorização do real, em 1999, une hoje os ministérios do Desenvolvimento, Casa Civil e parte da Fazenda, que gostariam de pôr em prática algumas ações que dêem um empurrão na valorização do dólar frente à moeda brasileira.

O objetivo é fortalecer setores que hoje sofrem com o baixo patamar da moeda americana, como o de calçados, que perdeu competitividade no comércio mundial. O próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, tem dado sinais de que anda desconfortável com o câmbio, embora reconheça que uma solução imediata não é fácil.

Pressão para Banco Central comprar mais dólares

Há consenso quanto ao fato de que a manutenção do regime de câmbio flutuante é intocável, mas, nos bastidores, a taxa que vem sendo cogitada como ideal é de R$2,50. E há quem acredite - no time dos desenvolvimentistas - que alguns mecanismos podem ser usados para se chegar a essa cotação.

Um deles seria a possibilidade de o Banco Central (BC) comprar mais dólares no mercado para melhorar ainda mais as reservas internacionais, hoje beirando US$80 bilhões, e ao mesmo tempo deter a queda da moeda americana.

Outra medida, defendem os desenvolvimentistas, preveria que o Conselho Monetário Nacional (CMN) permitisse que uma parcela maior de recursos fossem deixados por grandes empresas exportadoras no exterior. O teto foi estabelecido recentemente em 30%, mas ainda não começou a ser usado.

A redução mais acentuada da taxa básica de juros, atualmente em 13,75% ao ano, seria outra opção, uma vez que poderia diminuir o interesse de investidores financeiros pelo país, e conseqüentemente, a entrada de dólares, devido aos rendimentos menores.

Com toda essa pressão, a ala considerada ortodoxa dentro do governo - BC, Ministério do Planejamento e parte da Fazenda - procura resistir a mudanças mais drásticas. Alega, de modo geral, que o câmbio é uma variável difícil de ser controlada, por estar ligada a diversos fatores que não dependem única e exclusivamente de ações do governo.

Na outra ala, os que temem queda de juros e inflação

A maior compra de dólares por parte da autoridade monetária é combatida também porque acabaria fazendo com que entrassem mais dólares no país. Isso porque os investidores acabariam se convencendo de que aplicar no Brasil é muito seguro.

A preocupação maior dos fiscalistas é o controle da inflação. Assim, esta ala não vê com bons olhos a redução mais rápida da Selic. Se, por um lado, a medida poderia tornar menos atrativas as aplicações no país aos investidores estrangeiros, na outra ponta afetaria os preços, puxando-os para cima, com o aumento da demanda que os juros menores trazem com o crédito mais barato. Além de encarecer os produtos cotados internacionalmente (commodities). E hoje é quase consenso, dentro e fora do governo, que inflação maior não é bem-vinda.