Título: Um país dividido pelo medo
Autor: Jorge Antonio Barros
Fonte: O Globo, 12/11/2006, O Mundo, p. 39

Decisão do governo Uribe de libertar pela força seqüestrados por guerrilheiros polariza ainda mais a Colômbia

Cenário de UM conflito armado que já dura mais de quatro décadas e que o transforma nUM dos três mais antigos do mundo - ao lado do da Cachemira e do que opõe israelenses a palestinos - a Colômbia é hoje UM PAÍS praticamente DIVIDIDO entre aqueles que rechaçam a decisão do governo do presidente Alvaro Uribe de buscar a via militar para o resgate de reféns em poder das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e os que acreditam nUMa nova ofensiva do Exército como única saída para subjugar o terrorismo. A explosão de UM carro-bomba no Pentágono colombiano, no mês passado, mandou pelos ares também o pouco que restava de promessas de Uribe de negociar com as Farc.

O grupo contrário a UM resgate "a sangue e fogo" é a parte da sociedade que ainda se sensibiliza com a dor de parentes e amigos dos cerca de 60 seqüestrados que estavam prestes a ser beneficiados por UM acordo hUManitário. Esse acordo resultaria na libertação deles em troca de 500 presos políticos.

Do outro lado estão os colombianos que foram anestesiados pelos números de seqüestros no PAÍS - 22.923 casos nos últimos dez anos, segundo dados processados pela Fundação PAÍS Libre, a única ONG do mundo especializada em assistência a vítimas de seqüestro. Desse total, 3.156 pessoas permanecem em cativeiro, 760 delas em poder das Farc. Três reféns são americanos acusados de espionagem. Em UMa década foram registrados também 16.783 casos de extorsão e 795 desaparecimentos - sete vezes o número de desaparecidos políticos em 21 anos de ditadura brasileira.

UMa pesquisa feita pela empresa Datexco há duas semanas dizia que 49,9% dos colombianos apóiam a decisão do governo, de realizar o resgate militar. Segundo a pesquisa, 38,28% discordam e 11,9% não responderam.

- A opinião pública na Colômbia sempre oscila muito, mas a maioria tende a apoiar UMa política que use a força com a perspectiva de UMa negociação de paz. A guerrilha não tem apoio popular - afirma Jorge Orlando Melo, historiador, para quem as raízes da violência na Colômbia estão nUMa disputa eleitoral entre os dois grandes partidos do PAÍS, o Liberal e o Conservador, feita com sangue dos partidários a partir do final da década de 1940.

Foi nessa época que a taxa de homicídios deu o primeiro grande salto no PAÍS.

PAÍS tem 250 mil mortos em 50 anos

Com quase metade da população vivendo abaixo da linha de pobreza, a Colômbia ficou conhecida como capital mundial dos seqüestros e UM campo minado por nada menos que três grandes grupos armados e à margem da lei. São os senhores da guerra colombiana -- os guerrilheiros (14 mil de dois grupos); seus arquiinimigos, os paramilitares que surgiram nos anos 90 com a criação das Autodefesas Unidas da Colômbia (16 mil); e os narcotraficantes, sem número estimado, que permeiam todos os grupos. Em 50 anos, o PAÍS já registra cerca de 250 mil mortos e dois milhões de refugiados nUMa sucessão de guerras sem fim.

Há dois anos apareceu UM novo grupo, os Águias Negras, formado por cerca de 1.300 bandidos comuns. Os maiores grupos guerrilheiros são as Farc, com 12 mil homens nas selvas, e o Exército de Libertação Nacional (ELN), que tem avançado nas negociações de paz. Os narcotraficantes hoje têm como maior expressão o Cartel do Norte de Balle. Outro grupo que acirra o conflito é o formado por militares ligados aos paramilitares - que têm forte base parlamentar - e policiais corruptos.

- A pacificação do conflito colombiano depende também do sucesso no combate ao narcotráfico - afirma Carlos Jaramillo, estudioso de negociações de paz na Colômbia.

Ele confessa sua depressão cada vez que vê na TV cenas do plantão de parentes de seqüestrados, como o que reuniu cerca de mil pessoas nUMa manifestação contra a decisão de Uribe de resgatar os reféns.

- Temos que ser solidários com essas pessoas.

- Solidariedade é justamente o que falta ao povo colombiano - denuncia o microempresário Hector Cabrera, tio de UM dos mais antigos reféns das Farc, o cabo do Exército Pablo Emilio Moncayo Cabrera, de 28 anos, que foi seqüestrado há oito anos e 10 meses. Há três anos a família não recebe qualquer prova de vida. E teve grandes esperanças de tornar a vê-lo em 2001, quando foram libertados 350 policiais reféns das Farc, nUMa experiência bem-sucedida de acordo hUManitário. NenhUM sinal de Pablo Emilio.

A falta da solidariedade também é testemunhada pelo publicitário Juan Carlos Lecompte, 47 anos, marido da ex-senadora Ingrid Bettancourt, que se tornou UMa espécie de símbolo mundial dos seqüestrados colombianos. Desde que a mulher foi seqüestrada há quatro anos e oito meses, Lecompte vive sozinho no apartamento decorado por ele com fotos da vítima. Ingrid vivia ali quando foi levada pelas Farc, nUMa viagem ao interior, durante campanha de sua candidatura à Presidência. Lecompte foi aclamado na Europa em campanhas pela libertação de Ingrid, mas não consegue UMa palavra de apoio dos vizinhos da confortável cobertura, nUM bairro de classe média em Bogotá.

- Os colombianos cerraram o coração e o entendimento para a nossa luta pela paz - afirma Lecompte.

Nos últimos dez anos, o auge dos seqüestros na Colômbia ocorreu em 2000, quando foram registrados 3.572 casos. O das extorsões foi em 2004, com 2.347 casos. Houve até casos de seqüestros coletivos, como o de 139 pessoas nUMa missa e 12 deputados de UMa só vez. Do total de 22 mil seqüestros, 12.055 foram executados pelas Farc (6.697) e ELN (5.358).

O número de seqüestros caiu sensivelmente, de 800 no ano passado para 466 até setembro deste ano. As taxas de homicídio também estão em queda em Medellín e Bogotá, mas a sensação de insegurança produziu seqüelas. Apesar da melhoria da situação, que já serve até de modelo para o Rio de Janeiro, a capital colombiana ainda exibe sinais de perigo: há vigilantes armados por toda parte, detectores de metais, cães farejadores de explosivos e UMa tensão revelada em constantes revistas de bolsas e mochilas nas entradas de shoppings e até cinemas. Palco da última guerrilha marxista do mundo, a Colômbia gasta hoje de 3% a 5% do PIB com segurança.

Pelas ruas de Bogotá há UM grafite com a imagem da "Virgen de los Sicarios", UMa santa transformada em padroeira dos pistoleiros do narcotráfico. Tem duas armas apontadas para a cabeça e, no coração, UMa granada.

Avaliação sobre fim da guerra gera polêmica

Especialista na história das Farc, que nasceu em 1964, o cientista político Eduardo Pizarro lembra que o grupo guerrilheiro criou UMa economia de guerra baseada nos seqüestros, nas extorsões e na indústria da cocaína. Impuseram nada menos que 17 derrotas ao Exército. Estavam prestes a invadir Bogotá quando sofreram sua primeira grande derrota, em 2002. O Exército virou o jogo com o Plano Colômbia, a ajuda militar americana com a capa de combate ao narcotráfico. Desde então, o grupo guerrilheiro não conseguiu mais fazer qualquer ação militar de grande envergadura. Há informações até de que não dispõem sequer de munição para seus fuzis AK-47.

- Estamos na última etapa da guerra na Colômbia. As Farc estão derrotadas militarmente - afirma Pizarro, nUM tom otimista que encontra eco nas Forças Armadas.

Para o sociólogo Alfredo Rangel, diretor da Fundação Segurança e Democracia, porém, a guerra está longe do fim. Segundo ele, o único sinal de esperança foi a desmobilização de 30 mil paramilitares, conseguida por Uribe. Com apenas algUMas confissões já é possível chegar a 2.400 cadáveres ocultos pelo PAÍS.