Título: Confusos
Autor: ELOI FERNÁNDEZ Y FERNÁNDEZ
Fonte: O Globo, 13/11/2006, Opinião, p. 7

Quantas vezes nos vemos como idiotas? E, na maioria das oportunidades que esse sentimento nos aflora, ele está associado com o óbvio. A obviedade é idiota, não tem complexidade, não é profunda, não é rebuscada, não é sofisticada, não tem conteúdo aparente, não tem especialização, ela é óbvia. Entretanto, em determinadas circunstâncias, ela é essencial e talvez expresse um elemento da dialética da natureza do cotidiano.

Há 2.400 anos, Platão e Aristóteles inauguravam as discussões sobre o público e o privado. E já ali, fazer o público, se questão de estado ou se questão privada, não interessava.

Na República as atividades são públicas. Não são públicas apenas as atividades exercidas pelo estado, como justiça e segurança, mas toda ação humana, numa república, deve visar ao bem comum, independente da origem dos recursos que a fazem acontecer.

Não sei, mas, talvez em função do período eleitoral, tenhamos assistido, com um razoável exagero, a confusão de conceitos entre o público, o estatal e o privado, particularmente entre duas dessas combinações: o público e o privado, e o público e o estatal. Como podemos, em pleno séc. XXI, estar confundindo conceitos aparentemente tão elementares? Como estabelecer incompreensões entre a definição da origem do capital investido e do serviço prestado pelo investimento? Isso não é óbvio?

O capital pode ser estatal (federal, estadual ou municipal) ou privado (nacional ou estrangeiro; pessoal ou corporativo). Os serviços públicos prestados pelo resultado dos investimentos (privado, estatal ou misto) podem ser de tipo e qualidade diferentes, cabendo à sociedade, por meio de instrumentos e mecanismos de estado e de controle civil, regulá-lo e fiscalizá-lo.

O fato de a origem do capital ser estatal não garante que o serviço público seja de boa qualidade. Aliás, no Brasil, temos o sentimento histórico do não-retorno dos impostos pagos através dos serviços públicos nos três níveis das estruturas governamentais.

O serviço prestado por uma distribuidora de energia ou por uma empresa de saneamento é público pela natureza do serviço, e não por ser estatal ou privada a origem do capital ou mesmo a sua forma de gestão. No mesmo sentido, o ensino é um serviço público pela sua essência. E não por ser estatal ou privado.

Para um melhor entendimento do que são serviços públicos, deveríamos passar inicialmente por uma revisão conceitual, inclusive as discussões sobre as denominadas "privatizações" e as denominadas "parcerias público-privadas", que deveriam se chamar "estatal-privadas". De um lado, o papel de cada um seria recolocado de forma mais precisa. De outro, permitiria uma correta conceituação do que é o público, não possibilitando sua apropriação por qualquer parte que não seja o interesse coletivo, a sociedade, ou melhor, em stricto sensu, o público.

ELOI FERNÁNDEZ Y FERNÁNDEZ é professor da PUC-Rio