Título: Avacalhados
Autor: M. PIO CORREA
Fonte: O Globo, 13/11/2006, Opinião, p. 7

Um membro do governo da Bolívia teve o descaramento de ir à Brasília traçar em torno do presidente Lula o círculo de Popilius. Uma consulta a uma boa enciclopédia permitirá ao Palácio do Planalto saber qual era esse círculo, e quem era o senador romano Popilius Lenas que lhe deu o seu nome. Na ocasião, o boliviano formulou ao nosso presidente um ultimatum.

O presidente da República ficou assim notificado de que, se a Petrobras não aceitasse até 27 de outubro os termos oferecidos, a Petrobras não receberia um vintém de indenização.

O ultimatum foi engolido e obedecido: na data fixada pela Bolívia, a Petrobras entregava a rapadura, aceitando um acordo que não cobre dois pontos essenciais: o preço do gás a ser fornecido pela Bolívia e o ressarcimento dos prejuízos da estatal brasileira.

Nunca na História um governo estrangeiro se portou com tanta insolência para com o Brasil. Nunca também o governo brasileiro aceitou tão mansamente um insulto.

Tempo houve em que a diplomacia brasileira, apoiada por um governo cioso dos interesses e da honra da Nação, haveria feito saber que o Brasil não toleraria um desrespeito semelhante.

É sabido que existem outras fontes potenciais. Há anos existe o projeto de um gasoduto desde Salta na Argentina até Porto Alegre, onde entroncaria com a rede nacional distribuidora de gás. Ainda na Argentina, existem as reservas de gás natural de Loma de la Lata, onde poderia ser instalada uma unidade industrial de liquefação de gás, que seria embarcado do vizinho Puerto Madryn para ser transportado via marítima a mercados exteriores. Enfim, foi noticiado que a Petrobras haveria localizado, na Bacia de Santos, extensos depósitos submarinos de gás natural.

É surpreendente, aliás, que de longa data não hajam sido identificados outros fornecedores possíveis de gás natural, eliminando assim o risco de vir a ser o Brasil chantageado pela Bolívia, como está acontecendo.

É certamente mais útil para assegurar o prestígio internacional do Brasil obtermos o respeito dos nossos vizinhos do que recorrer a imbecilidades como o projeto do Eixo Sul-Sul.

A nossa avacalhação, não há outro termo, frente à Bolívia foi conseqüência direta do apoio e aplauso do nosso presidente à candidatura presidencial do Sr. Evo Morales, com seu ideário estatizante e xenófobo. Oxalá sirva a lição para nos afastar de um tipo de diplomacia pessoal do chefe de Estado em favor de um retorno à diplomacia profissional para a qual o Brasil dispõe de um quadro de diplomatas de alta capacidade, do qual procede o próprio chanceler Celso Amorim.

M. PIO CORREA é embaixador aposentado.