Título: Um caso brasileiro
Autor: Carlos Alberto Sardenberg
Fonte: O Globo, 20/11/2006, Opinião, p. 7

AInfraero, estatal vinculada ao Ministério da Aeronáutica e que administra os aeroportos brasileiros, calcula que precisa investir pelo menos R$7 bilhões até 2010. Seria o mínimo necessário para reformar e ampliar aeroportos, de modo a atender ao crescimento do setor. Essa expansão, de fato, é muito forte. No ano passado, para atender à crescente demanda de passageiros, as companhias aéreas brasileiras aUmentaram a oferta de assentos em 30%, e isso durante a agonia da Varig. Neste ano, até outubro, a oferta está crescendo mais 8%, mesmo com as recentes confusões. Com o pico do final do ano, esperava-se que o setor crescesse mais uns 13% neste ano.

As empresas privadas fizeram sua parte. Com a demanda crescendo, as companhias compraram jatos, multiplicaram rotas. As duas grandes, TAM e Gol, tiveram a maior expansão, mas diversas empresas pequenas e regionais também entraram no mercado.

O problema está na parte do governo, a oferta de aeroportos e o controle do tráfego. A Infraero investiu nos últimos anos - e, ainda assim, está devendo. Basta passar pelo aeroporto de Congonhas, o de maior movimento. Recentemente ampliado, já está apertado. Ou seja, é preciso investir ainda mais, mesmo porque só TAM e Gol planejam incorporar às suas frotas mais 58 aviões, nos próximos três anos. São jatos maiores, para mais passageiros, a pistas mais seguras e mais espaço e serviços nos aeroportos.

É para isso que a Infraero precisa de R$7 bilhões de investimentos. Desse volUme, a estatal deve obter, com recursos próprios e financiamento, cerca de R$2,8 bilhões. A empresa tem Uma bela receita - as taxas, muito caras, pagas por passageiros e empresas, além de aluguéis e concessões no comércio dos aeroportos.

Ainda assim, faltarão R$4,2 bilhões. A estatal espera Um aporte do governo federal. Vai ficar esperando.

Parece pouco dinheiro, afinal seria apenas pouco mais de Um bilhão por ano, Uma mixaria diante dos mais de R$400 bilhões que o governo vai gastar neste ano com custeio da máquina, pessoal, previdência e investimentos.

Eis, porém, algUmas comparações. Os salários do funcionalismo federal devem chegar neste ano a R$100 bilhões. Para 2007, é razoável supor que o pessoal receberá no mínimo a reposição da inflação, estimada em 4,2%. Ou seja, mais R$4,2 bilhões. Mas ainda na última terça-feira, quando preparava o pacote de cortes de gastos, o ministro Guido Mantega dizia que continuava achando possível dar novos aUmentos reais ao funcionalismo.

Quanto ao salário mínimo, o presidente Lula também prometeu mais aUmento real. Mas considere-se apenas a reposição da inflação, o que representaria Um aUmento nominal de R$15. Multiplicando por 16 milhões de pensionistas e por 13 pagamentos, o custo da Previdência sobe R$3 bilhões.

Finalmente, o governo federal está gastando menos de R$20 bilhões em investimentos diretos naqueles setores que não contam com o suporte de Uma estatal rentável - ao contrário do que ocorre com os aeroportos da Infraero.

ResUmindo, o governo federal não terá os R$4,2 bilhões para dar à Infraero.

Olhando a coisa sem preconceitos, não está evidente que este é mais Um caso de privatização? Qual o problema de entregar a construção e/ou a administração de aeroportos a companhias privadas, nacionais ou estrangeiras?

O Brasil tem empreiteiras que fazem obras pelo mundo afora, inclusive aeroportos. Se essas empreiteiras se unissem a grandes companhias estrangeiras, com experiência na operação de aeroportos, isso traria capitais e tecnologia para Um setor estratégico.

O presidente da Infraero, brigadeiro José Carlos Pereira, disse que a empresa está estudando a fórmula das Parcerias Público-Privadas (PPPs). Mas o governo Lula está estudando as PPPs há quatro anos e não conseguiu emplacar Uma sequer. Assim como não conseguiu fazer nenhUma concessão de rodovias, muito menos de aeroportos.

Eis, portanto, Uma ilustração perfeita do caso brasileiro hoje. Considerado o tamanho da economia, os R$7 bilhões para os aeroportos são pouco mais que mixaria. Mas o governo não tem porque gasta demais em Previdência, pessoal e custeio da máquina.

Já para o setor privado, seria a maior moleza arrUmar os R$7 bilhões. Mas não há condições políticas nem jurídicas nem econômicas para deslanchar esses investimentos.

Assim, tome fila, tome congestionamento no saguão. E ainda tem de agüentar o ministro da Defesa, Waldir Pires, responsável por todo o setor, dizer que não está acontecendo nada.

Nada mesmo.