Título: Gushiken sai para poupar Planalto
Autor: Ilimar Franco
Fonte: O Globo, 14/11/2006, O País, p. 3

Petista pode ser denunciado no caso das cartilhas; chefe de Gabinete de Lula pede para sair

Amigo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e envolvido em dois escândalos - o mensalão e as cartilhas distribuídas pelo PT -, o chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (NAE), Luiz Gushiken, pediu demissão. Ele deixa o Palácio do Planalto, depois de ter sido uma das figuras centrais do governo e de acabar indiciado pelo Ministério Público por suposta participação no mensalão, para evitar que o segundo mandato de Lula, que começa em janeiro, seja contaminado pela "herança maldita" do primeiro. O chefe de Gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, também pediu para deixar a assessoria direta do presidente Lula.

Gilberto Carvalho também está preocupado em evitar que Lula tenha novos desgastes por causa das acusações de seu suposto envolvimento com o esquema que teria resultado na morte do prefeito de Santo André Celso Daniel (PT). E também por causa das ligações que fez para o petista Jorge Lorenzetti, no dia em que estourou o escândalo da compra, por petistas, do dossiê contra políticos tucanos. Lorenzetti, que trabalhava no comitê de Lula pela reeleição, foi apontado pela Polícia Federal como o coordenador dos "aloprados" petistas envolvidos no esquema da compra do dossiê.

- Pedi ao presidente Lula para deixar o Palácio. Acredito que o presidente deveria renovar sua equipe de assessores. Posso continuar colaborando em outra área. O presidente me ouviu e disse que depois conversaríamos sobre isso - contou Gilberto Carvalho, referindo-se à conversa que teve com Lula na véspera do segundo turno, quando se tornaram públicos seus dois telefonemas para Jorge Lorenzetti.

O demissionário Gushiken explicou as razões de sua decisão pessoalmente ao presidente Lula na sexta-feira passada e em carta divulgada ontem. Ao deixar o Planalto, Gushiken aproveita para cobrar uma nova conduta do PT diante da formação de um governo de coalizão nos próximos quatro anos.

- O PT, depois desta campanha eleitoral sangrenta, tem que entender que o presidente Lula precisa de um clima de tranquilidade institucional. Se o PT for muito ganancioso ou travar uma forte luta internamente, pode criar muitos problemas para o segundo mandato - advertiu Luiz Gushiken.

Um dos homens fortes do início do governo, Gushiken alega que cumpriu seu ciclo e se queixa das denúncias que sofreu durante a crise política de 2005 e pela qual foi indiciado pela Procuradoria Geral da República pelos crimes de tráfico de influência e corrupção ativa.

Na carta que entregou ao presidente Lula e tornou pública, Gushiken afirma: "Com a nova fase que se configura na vida política do país, delineia-se uma ampla renovação de dirigentes na administração pública federal, movimento natural e positivo para o seu segundo mandato".

Assume irmão de Mercadante

O atual secretário-geral do NAE, o coronel do Exército Oswaldo Oliva Neto, irmão do senador Aloizio Mercadante (PT-SP), assume interinamente o órgão, cuja principal atividade é a elaboração do projeto de planejamento estratégico "Brasil 3 Tempos".

Gushiken diz considerar que o grande desafio do presidente Lula é acelerar o processo de crescimento econômico. Defende também que, nos próximos quatro anos, Lula passe por cima de estados e municípios para enfrentar as questões da segurança pública e da educação básica de qualidade, que não são de competência constitucional da União.

- O presidente vai ter que adentrar na esfera de competência dos governos estaduais e das prefeituras para atacar a segurança pública e a educação de qualidade - afirmou Gushiken.

Crise deixou lições, diz ele na carta

O ex-ministro afirma na carta que a crise política proporcionou lições e que estas indicam que devem constar da agenda do governo, no próximo período, a reforma política, a modernização institucional e uma maior transparência das atividades públicas. Na carta, Gushiken reclama do que chama de aspectos deletérios da crise, que teria abalado um dos pilares do estado de direito, o da presunção de inocência. Afirmou que, com base nesta "postura execrável", se procurou destruir reputações.

Foi nesse contexto, disse, que em julho de 2005 pediu para ser destituído da condição de ministro para que pudesse responder às acusações e evitar prejuízos para o governo. Desde então, diz na carta, tem trabalhado pela elucidação dos fatos e em defesa de sua honra. Ele diz que tem se defendido no Judiciário e que acredita que no fim do processo será inocentado.

Gushiken encerra a carta, em que se dirige a Lula como "Meu caro presidente e amigo Lula", dizendo : "Sempre fui movido pela avaliação de que cumprido um ciclo, eu deveria perseguir novos desafios e trilhar outros caminhos. Encerro a presente etapa com minha missão cumprida, razão pela qual formalizo meu pedido de exoneração, estando plenamente satisfeito com as mudanças que ajudei a implementar na Secom. O NAE está organizado e elaborou com extrema dedicação o Projeto Brasil 3 Tempos, o qual deverá oportunamente ser apreciado".