Título: União pode ter prejuízo de R$23 bi na Justiça
Autor: Martha Beck
Fonte: O Globo, 20/11/2006, Economia, p. 24

Processos no STJ e no STF, envolvendo IPI e PIS/Cofins, põem em risco desafio de manter responsabilidade fiscal

BRASÍLIA. O desafio de manter a responsabilidade fiscal, quando não há mais espaço para aumento da carga tributária e as despesas sobem mais do que as receitas, ficará ainda maior no segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Isso porque o governo terá que brigar na Justiça para não amargar um prejuízo de R$23 bilhões. Esse é o valor mínimo estimado caso a união seja derrotada em dois processos que tramitam no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo Tribunal Federal (STF) envolvendo o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e a cobrança de PIS/Cofins.

Nesses casos, o governo tinha decisões a seu favor que acabaram sendo revistas e, agora, geram grande preocupação no Ministério da Fazenda. Segundo técnicos da pasta, a derrota pode desequilibrar a arrecadação e prejudicar a política de desoneração que vem sendo estudada para estimular o setor produtivo.

Crédito de IPI pode gerar perda de R$10,8 bilhões

No caso do IPI, empresários pedem ao STJ para ter direito a um crédito sobre exportações extinto nos anos 80. Para estimular o comércio exterior, em 1969, o governo permitiu que os exportadores recebessem crédito pelo imposto pago sobre produtos manufaturados vendidos para outros países. Mas o Brasil começou a ser pressionado por outros países para suspender o benefício, irregular segundo acordos internacionais. Por isso, em 1973, um decreto presidencial determinou que fosse extinto em 1983, mas empresários continuaram lutando na Justiça para garanti-lo.

A perda potencial pode chegar a R$10,8 bilhões por ano, sem contar o que terá de ser devolvido aos contribuintes. De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a questão caminhava a favor do governo. No entanto, em março deste ano, o Senado publicou uma resolução sobre IPI (uma espécie de parecer) que afetou a decisão e criou condições para que o caso fosse reexaminado no STJ.

Com isso, a votação agora está praticamente empatada. Três ministros entendem que o benefício não está mais em vigor e dois acham que ele ainda pode ser utilizado. A definição depende da posição de quatro ministros.

- Se o STJ decidir que o crédito ainda está em vigor, o Brasil terá prejuízo na arrecadação e poderá ser questionado na Organização Mundial do Comércio (OMC) - disse um técnico do Fisco.

No caso do PIS/Cofins, os empresários pedem ao STF que o ICMS seja retirado da base de cálculo dessas contribuições. Isso poderia resultar em perda de R$12,3 bilhões por ano. Segundo o coordenador-geral da representação judicial da Fazenda Nacional, Fabrício Da Soller, o assunto também já havia sido decidido em favor da união, mas, em agosto deste ano, o ministro Marco Aurélio, do STF, reabriu a discussão.

A votação agora está desfavorável à união: seis ministros votaram a favor dos contribuintes e apenas um contra. Como restam quatro votos a serem proferidos, o governo precisa ganhar todos e reverter a opinião de um ministro.

Mesmo assim, Da Soller acredita que o governo pode obter um resultado favorável.

- Nossa tarefa é difícil, mas ainda é possível reverter a votação - disse o coordenador.

Para ele, o fato de os dois processos terem sido reabertos também representa um problema para a imagem do Brasil diante de investidores:

- Falta previsibilidade sobre as decisões do Judiciário por causa das constantes mudanças de jurisprudência. Isso afeta negativamente os investimentos no país - afirmou.

Essa também é a avaliação do presidente do Instituto Tendências de Direito e Economia, Gesner de Oliveira:

- Quando a jurisprudência e a legislação mudam com freqüência, reduzem a expectativa de rentabilidade do investidor e, conseqüentemente, o volume de recursos que ele aplica no país.

Para Gesner, é preciso simplificar as legislações tributária, trabalhista e previdenciária. Há 27 legislações do ICMS, por exemplo, que aumentam a incerteza e afugentam investidores. Este é o alvo principal do texto da Reforma Tributária que está parado no Congresso.