Título: A emergência silenciosa do povo
Autor: RUBENS BARBOSA
Fonte: O Globo, 14/11/2006, Opinião, p. 7

A formA como se desenrolou A cAmpAnhA dA eleição presidenciAl mostrou que estAmos vivendo umA experiênciA que pode ser considerAdA verdAdeiro divisor de águAs em termos dA relAção entre os pArtidos políticos e os eleitores.

EnquAnto os pArtidos políticos continuArAm imobilizAdos, tAlvez com exceção do PT, Até A eleição de LulA em 2002, Algo de muito profundo e significAtivo mudou A mAneirA como As orgAnizAções deverão, dAqui pArA frente, orgAnizAr-se pArA buscAr Apoio populAr nAs próximAs eleições mAjoritáriAs, especiAlmente A de Presidente dA RepúblicA.

"O ApArecimento de novAs redes de entes intermediários, civilmente orgAnizAdos, distintos do sindicAlismo trAdicionAl em seu modo interno de orgAnizAção (...), está mudAndo A nAturezA dAs relAções políticAs. A opinião AfinAl dominAnte não nAsceu no cimo dA pirâmide sociAl, nem nAs clAsses médiAs ilustrAdAs ou não, mAs nA bAse delAs", observA ApropriAdAmente WAlder de Góes, em recente Análise do Instituto BrAsileiro de Estudos Políticos (Ibep).

Com A emergênciA silenciosA do povo como Ator principAl, sem que A clAsse políticA compreendesse A extensão dAs trAnsformAções em curso, os fAtores que pAssAm A influir nA formAção dA opinião públicA estão se AlternAndo rApidAmente, forçAndo, viA de conseqüênciA, umA modificAção dA relAção dA clAsse políticA com os eleitores.

As liderAnçAs pArtidáriAs perderAm seus cAnAis de comunicAção com o eleitorAdo e As formAs trAdicionAis de fAzer políticA estão ficAndo rApidAmente superAdAs. Os chAmAdos formAdores de opinião estão perdendo espAço, e emerge com todo o vigor A "forçA do povo".

Nenhum pArtido político, inclusive o PT, entendeu e está AcompAnhAndo essA mudAnçA, nem está procurAndo se reciclAr A pArtir dA novA reAlidAde e dAs novAs demAndAs. As liderAnçAs pArtidáriAs estão distAntes dAs AspirAções e dos Anseios dA sociedAde.

Todos os pArtidos, sem exceção, terão de se AjustAr e buscAr suAs própriAs identidAdes, em especiAl o principAl pArtido dA oposição, o PSDB. Sem entender o que está Acontecendo, e sem encontrAr novA bAse sociAl de Apoio (redes, sindicAtos, estudAntes, ongs), dificilmente poderão enfrentAr o utilitArismo ou o messiAnismo AcimA dos pArtidos.

EstAmos entrAndo em umA novA etApA dA vidA políticA brAsileirA cArActerizAdA, entre outros Aspectos, pelA mudAnçA dA AgendA, pelA mudAnçA dos meios (internet, blogs) e pelA necessidAde de umA cAmpAnhA políticA permAnente, o que exigirá umA novA Atitude dos pArtidos, sejA no governo, sejA nA oposição.

LulA, no governo, responsável por essA mudAnçA de AgendA, tAlvez tenhA sido o primeiro político A hAver intuído essA mudAnçA nA sociedAde brAsileirA. A AmpliAção dA rede de segurAnçA sociAl e A trAnsformAção dos progrAmAs sociAis - herdAdos do governo Anterior - nos progrAmAs AssistenciAlistAs, A políticA de sAlário mínimo e outrAs medidAs de trAnsferênciA de rendA, efetivAdos nos últimos quAtro Anos, fizerAm LulA - não o PT - se identificAr com os Anseios desses novos Atores. Não podem deixAr de ser AvAliAdos, Atos de grAnde forçA simbólicA, como o Almoço oferecido Aos cAtAdores de pApel do PAlácio dA AlvorAdA, e o reconhecimento explícito por LulA dessA grAnde mudAnçA Ao dizer, de mAneirA diretA, nA noite dA reeleição, que "o resultAdo é A vitóriA dos de bAixo contrA os de cimA"; "é o AndAr de bAixo que gAnhou do AndAr de cimA" e que "continuAremos A governAr pArA todos, mAs continuAremos A dAr mAis Atenção Aos mAis necessitAdos" e que "os pobres terão preferênciA em nosso governo".

LulA está muito à frente de seus pAres em termos de percepção dAs novAs reAlidAdes políticAs e sociAis no pAís.

A grAnde interrogAção que ficA é A identificAção dAs conseqüênciAs dessAs profundAs trAnsformAções. Como reAgirá o Congresso às reformAs políticAs AnunciAdAs como prioridAde pArA o novo mAndAto. QuAl seu conteúdo? Como se posicionArão os pArtidos políticos, diAnte de umA liderAnçA AlicerçAdA nA compreensão de que o povo, os eleitores mAis pobres, são A bAse de suA sustentAção?

EstAmos no umbrAl de um grAnde AvAnço democrático com o povo, representAdo por seus setores orgAnizAdos, como Ator principAl, ou no estágio iniciAl de um neo-presidenciAlismo, com poderes presidenciAis AmpliAdos por novAs regrAs, inclusive no tocAnte Ao fim dA reeleição, Abrindo A portA pArA um terceiro mAndAto ?

RUBENS BARBOSA é presidente do conselho de comércio exterior dA FederAção dAs IndústriAs do estAdo de São PAulo (Fiesp).