Título: salsichas duvidosas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 17/11/2006, O Globo, p. 2

Nenhuma questão devia interessar mais ao conjunto dos cidadãos do que saber quanto o governo arrecada e como pretende aplicar o dinheiro dos impostos cobrados. Mas, entra ano e sai ano, mudam os governos e as legislaturas e o Orçamento continua sendo discutido e aprovado pelo Congresso com a falta de transparência, critério e assepsia que suscitou a comparação de Bismark entre a produção das leis e a das salsichas.

Embora anual, o Orçamento é uma lei, a mais importante delas abaixo da Constituição. A salsicharia é a poderosa Comissão de Orçamento do Congresso, que dá tempero político aos ingredientes fornecidos pelo Executivo. Aprovar e alterar o Orçamento é, também, a mais importante das prerrogativas do Legislativo, razão de seu próprio surgimento na Inglaterra feudal. Entre nós, entretanto, a capacidade dos parlamentares de destinar recursos para suas comunidades eleitorais tornou-se para eles o meio principal de sobrevivência eleitoral, em razão da crescente irrelevância do Parlamento. Num sistema partidário cuja dispersão priva os presidentes de maioria parlamentar, controlar, manipular e subornar os parlamentares com a liberação destas emendas tornou-se, por sua vez, o principal argumento dos governos para formar as maiorias, ainda que ocasionais. Neste pântano floresceu, logo no início da redemocratização, com os "anões" que dominavam a comissão, o esquema de corrupção que, longe de ser erradicado, foi sendo aperfeiçoado. A máfia das ambulâncias é apenas parte dele, e foi descoberta porque seus mentores abusaram da impunidade e ampliaram muito seus tentáculos, aliciando com propinas parlamentares e prefeitos.

Na semana passada, como relatou no GLOBO a repórter Regina Alvarez, a comissão aprovou, na calada da noite, o relatório básico, elevando de R$5 milhões para R$6 milhões o montante que cada parlamentar pode destinar, sob a forma de emendas individuais, para obras e benefícios em seus estados. Como eles são 594, a despesa chegará a R$3,5 bilhões, num Orçamento já muito apertado entre receita e despesa. Desprezado o fato de que eles pulverizam esses recursos em pequenas obras, ainda são bem empregados quando elas são mesmo necessárias e úteis às comunidades. O problema é o que acontece no meio da cominho, quando entram em cena os Vedoins da vida.

Reformar o rito orçamentário é uma providência importante para conter a corrupção e também para qualificar as relações entre os dois poderes. Na campanha, numa de suas entrevistas, o presidente Lula concordou com essa necessidade e defendeu que as emendas - não todo o Orçamento - sejam de liberação obrigatória, assegurada intensa fiscalização de CGU, TCU e outros órgãos. Para este ano é tarde, mas essa pode ser uma das providências para o ano que vem. Obviamente, para terem liberação garantida, dispensada a barganha política, as emendas terão que sofrer redução em seu valor. Os parlamentares elevam todo ano o valor global porque sabem que só uma pequena parte será liberada. Isso se o sujeito é aliado do governo. Para os da oposição, são liberadas algumas migalhas, para disfarçar. Mas esta reforma é como a das regras eleitorais. Discute-se na eleição e é esquecida.

Primeiro o conteúdo

O presidente Lula deu início às conversas institucionais com os partidos. Ouviu ontem o PT e marcou uma conversa com o presidente do PMDB, Michel Temer, que deve se fazer acompanhar de representantes da ala que apoiou a reeleição de Lula.

Nem por isso a composição do ministério está mais próxima. Pela conversa de ontem com os petistas, as escolhas só começarão a ser feitas em dezembro. Agora, sua obsessão é com as medidas econômicas para acelerar o crescimento. Num governo de coalizão, disse ele, primeiro definem-se as políticas públicas. Depois, monta-se o governo.

Durante boa parte da conversa com os petistas Lula falou de sua ansiedade por medidas mais ousadas, reclamando dos entraves para que o governo gaste até mesmo o dinheiro de que dispõe. A CEF tem recursos para saneamento, mas boa parte dos estados e municípios está impedida de tomar empréstimos por causa do limite de endividamento, outro assunto que espera ver resolvido, preservada a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Teremos, então, algumas semanas de muita especulação sobre o Ministério.

Mudanças no PP

Estourou um movimento no PP para alijar da direção do partido a turma do mensalão. Parlamentares e dirigentes pepistas nos estados de Rio Grande do Sul, Santa Catarina, parte do Paraná, Rio, Pará, Ceará e Brasília colheram assinaturas para realizar uma convenção extraordinária no dia 12 de dezembro. Nela, deve ser eleita uma nova executiva. O edital sai hoje. O Palácio do Planalto não participou da articulação, mas gostou do resultado. Não quer negociar com a velha turma, cujos métodos já conhece.

O PT avisou a Lula que pretende ter candidato a presidente da Câmara. Não sejam intransigentes, aconselhou Lula, já preparando o terreno para a solução de sua preferência: Aldo Rebelo de novo.

UMA DECISÃO da Justiça, tomada ontem, obriga a OAB a usar urnas eletrônicas na eleição das novas diretorias da seccional do Rio e de mais 56 subsecções, na próxima terça-feira. O pedido foi do candidato Wadih Damous, receoso quanto à lisura do pleito.