Título: Mais mortes que países em guerra
Autor: Demétrio Weber
Fonte: O Globo, 17/11/2006, O País, p. 3

Brasil é o primeiro em homicídios de jovens por armas de fogo, apesar de melhora em 2004

Após crescer ininterruptamente durante uma década, o número de homicídios no país caiu 5,2% em 2004, em relação a 2003. É o que mostra o "Mapa da Violência 2006 -- Os jovens do Brasil", estudo divulgado ontem pela Organização dos Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI). Com dados oficiais de 1994 a 2004, o estudo revela queda também de 5,7% nos assassinatos de jovens entre 15 e 24 anos, no mesmo período. Apesar da redução, a taxa de homicídios entre jovens deixou o Brasil em terceiro lugar, num ranking internacional de 84 países, feito com base em dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). E o Brasil ficou em primeiro lugar num ranking de 65 países, quando consideradas as taxas de mortes de jovens provocadas apenas por armas de fogo. Nesse ranking, o Brasil aparece com taxa de 43,1 mortes por cem mil habitantes. Em segundo lugar, está a Venezuela, com 38,3.

- É o caso de comemorar (a queda entre 2003 e 2004), porque fica evidente que essas mortes não são um fenômeno natural, mas social, que tem remédio. O problema é que continuamos tendo taxas absurdas, de 102 pessoas mortas a cada dia no ano, só por arma de fogo. É mais do que a guerra de palestinos contra israelenses - disse o autor do mapa, o sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz.

Desarmamento influiu no resultado

Ele atribuiu a diminuição do número de assassinatos à campanha de devolução de armas desencadeada após a aprovação do Estatuto do Desarmamento, em dezembro de 2003. Ainda assim, foram registrados 48.374 assassinatos em 2004, o equivalente a 132 mortes por dia. Esse número inclui homicídios com ou sem arma de fogo.

Nos dez anos que separam 1994 de 2004, o salto foi de 48,4%. Entre os jovens de 15 a 24 anos, o aumento chegou a 64,2%, puxando para cima as estatísticas de assassinatos em todas as regiões do país.

- Os caminhos para a juventude se encontram cada vez mais fechados. mais de 20% dos jovens não estudam, não trabalham, não fazem nada. São sete milhões de pessoas. E não fazer nada significa rua, boteco, álcool, droga, transgressão - disse Waiselfisz, defendendo o fortalecimento de políticas públicas dirigidas à população de 15 a 24 anos.

O Mapa da Violência traz rankings internacionais. Um deles lista os homicídios em 84 países, levando em conta a informação mais recente do período 2000-2004. Considerada toda a população, o Brasil aparece em quarto lugar, com taxa de 27 assassinatos para cada 100 mil habitantes. A Colômbia está em primeiro, com taxa de 57,4, seguida por Venezuela (29,5) e Rússia (27,3). Outro ranking registra apenas os assassinatos de jovens. É nele que o Brasil ocupa a terceira posição, com taxa de 51,7, atrás de Venezuela (65,3) e Colômbia (95,6).

Homicídios crescem mais no interior

O sociólogo destacou que, de 1994 a 2003, o número de homicídios no Brasil cresceu a taxas anuais de 5,5%. Desse modo, mantida a tendência de elevação, a redução em 2004 seria ainda maior do que o percentual divulgado - 5,2% para a população total e 5,7% para os jovens. Segundo ele, a queda alcança 9,6%, no caso de toda a população, e 11,2%, para a juventude.

Com base na série histórica do período, Waiselfisz estimou que 5.160 vidas foram poupadas em 2004, sendo 2.349 de jovens, graças à redução do número de homicídios atribuída à campanha do desarmamento. No Rio de Janeiro, 879 pessoas teriam deixado de morrer, segundo ele, sendo 350 jovens.

O mapa mostra que, em 2004, quatro em cada dez jovens mortos (39,7%) foram vítimas de assassinato. Entre o restante da população, esse índice foi de 3%. O Rio de Janeiro era o estado com maior taxa de homicídios de jovens: 102,8 mortes para cada 100 mil habitantes. O segundo lugar ficou com Pernambuco, com 101,5, quase o dobro da média nacional de 51,7. No Rio, no Espírito Santo e em Pernambuco, os homicídios foram responsáveis por mais da metade das mortes de jovens.

O estudo revela que o número de homicídios cresce mais no interior do que nas capitais e regiões metropolitanas. Segundo Waiselfisz, isso é resultado do crescimento econômico, da política de segurança focada nas áreas metropolitanas e da própria melhoria da coleta de dados. O mapa tem como base o Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde. O sociólogo ressalvou, porém, que o sub-registro é estimado em cerca de 20%, o que significa que o número real de mortes deve ser bem maior.

O mapa traça um perfil das vítimas de assassinato. A maioria é homem (93%) e da raça negra. Entre a juventude, os negros correm risco 85,3% maior do que os brancos de ser vítima de homicídio. Na população toda, o risco é 73,1% maior. O número de assassinatos cresce nos fins de semana.

O estudo diz que, de 1980 até 2004, as taxas de homicídios de jovens saltaram de 30 para 51,7 mortes a cada 100 mil habitantes. Para as demais faixas etárias, a taxa caiu de 21,3 para 20,8 no mesmo período. A população cresceu 16% nesses dez anos.

O secretário-executivo do Ministério da Saúde, Jarbas Barbosa, disse que a campanha do desarmamento contribuiu para reduzir também o número de internações por ferimentos à bala. Ele lembrou que a violência custa caro ao país.

- O sistema de saúde se sobrecarrega com os resultados da violência - disse Jarbas.

O secretário nacional de Juventude, Beto Cury, lembrou que o Mapa da Violência reúne dados até 2004. Ele lembrou que o governo já fez diagnóstico semelhante e, por conta disso, criou em 2005 a secretaria que coordena 17 programas dirigidos ao público jovem.

O estudo de Waiselfisz reúne informações sobre as vítimas da violência e não sobre seus autores. O sociólogo afirmou, porém, que outros levantamentos mostram que os jovens têm papel relevante dos dois lados:

- O jovem é, ao mesmo tempo, a maior vítima e o maior algoz da nossa violência cotidiana.