Título: Operção no padrão
Autor: Alan Gripp. Henrique Gomes e Cristiane Jungblut
Fonte: O Globo, 14/11/2006, Economia, p. 19

Controladores tiram licenças e cumprem normas à risca, e vôos voltam a atrasar

Aposição dos controladores de vôo de pressionar as autoridades e fazer valer estritamente seus direitos é a principal razão da mais recente crise no sistema aéreo. A categoria decidiu seguir à risca as normas de segurança para obrigar o governo a agilizar uma solução, e o intervalo entre os vôos voltou a aumentar. Segundo controladores ouvidos pelo GLOBO, não se trata de uma nova operação-padrão, mas de uma mudança de comportamento sem prazo determinado. Ontem, 42,3% dos 1.487 vôos programados no país até as 19h atrasaram: 629 aeronaves demoraram, em média, duas horas a mais que o normal para decolar. Houve, no mínimo, 13 vôos cancelados.

Entre os controladores, uma doença que antes era contornada para não resultar em falta ao trabalho agora vira ausência, com atestados médicos. A submissão ao estresse acaba tendo o mesmo desfecho. Eventuais folgas acumuladas também estão sendo tiradas à medida que as escalas permitem, sem hesitação. Mas, a principal medida foi a de não ultrapassar, em nenhuma hipótese, o limite de controle de 14 vôos ao mesmo tempo.

De manhã, no Rio, o ministro da Defesa, Waldir Pires, disse que desconhecia uma nova operação-padrão, segundo a Agência Brasil:

- Não houve nada. Quantas vezes temos atrasos de duas, três horas? São atrasos de vôos, de empresas - afirmou o ministro.

Segundo o presidente da Associação dos Controladores de Tráfego Aéreo do Rio de Janeiro, Jorge Nunes de Oliveira (que representa os controladores militares), o novo padrão será mantido por tempo indeterminado e, por isso, o caos vivido nos aeroportos no feriado de Finados poderá se repetir no feriado de amanhã e até o fim do ano:

- Esta situação é algo sem precedente. A pressão dos militares sobre os controladores está insuportável e nós não temos pessoal suficiente. Estamos trabalhando com o que temos e o que podemos trabalhar. Não há mágica: vamos ter estas alterações por muito tempo ainda.

Licenças médicas afetam setor

Segundo a associação, pelo menos dez controladores de vôo do Cindacta 1 (Brasília), principal centro de controle do país, estão afastados depois de apresentarem atestados médicos. Outros oito foram afastados após o acidente da Gol, em setembro. As baixas e a mudança no comportamento dos controladores deixaram o sistema mais sensível a alterações, produzindo os atrasos em efeito cascata que voltaram a tumultuar os aeroportos nos último dias. O comando da Aeronáutica confirma as licenças, mas não fala em números.

O epicentro da crise novamente é o Cindacta 1, responsável pelo monitoramento dos vôos que chegam e deixam os sete principais aeroportos brasileiros, entre eles Cumbica e Guarulhos (São Paulo); Santos Dummont e Galeão (Rio); e Confins (BH).

- Os controladores agora estão trabalhando no rigor da lei. O clima está horrível, estamos sendo pressionados o tempo inteiro para assumir mais vôos. Só que ninguém mais vai pôr a segurança de vôo em risco e estar sujeito a sofrer um processo depois - disse um controlador.

O limite é uma norma internacional que vinha sendo descumprida. Segundo os controladores, os profissionais mais experientes do Cindacta 1 chegavam a monitorar até 22 vôos ao mesmo tempo. A redução deixou a capacidade de controle do tráfego aéreo no limite. Assim, a falta de funcionários por problemas médicos e dificuldades meteorológicas têm hoje maior capacidade de provocar atrasos em série.

Além disso, há poucas chances de os controladores de vôos aposentados recontratados em caráter emergencial operarem até o fim do ano. Segundo os controladores da ativa, por estarem parados, eles estão passando por um processo de requalificação que pode durar 15 dias a três meses. A formação de novos controladores, que leva entre quatro e cinco anos, é uma solução apenas para médio e longo prazos.

Os controladores querem, entre outras coisas, a desmilitarização da função, reajuste salarial, a contratação de mais profissionais e a redução da carga horária.

- Este mês, os controladores vão atingir as 144 horas mensais (limite estabelecido para a função) no dia 20. Como vai ficar agora? - perguntou um controlador.

Por se tratar de uma carreira militar, sujeita a punições rigorosas, os controladores estão evitando dar declarações sobre o assunto. Há um sentimento de revanche em relação ao tratamento sofrido no auge da crise, no feriado de Finados. Na ocasião, alguns deles foram detidos pelos seus superiores e impedidos de deixar o centro de controle

A maior preocupação deles, neste momento, é evitar que a população interprete que a categoria está fazendo corpo-mole. Eles argumentam, porém, que a tragédia da Gol, que matou 154 pessoas, deixou vulneráveis os controladores, que vinham trabalhando sobrecarregados. Os oito profissionais que estavam de plantão no dia do acidente e que estão afastados estão sendo investigados.

Após uma reunião durante toda a tarde de ontem na Casa Civil, o governo apenas emitiu uma nota genérica, em que dizia que "todas as medidas necessárias para sanar no menor espaço de tempo possível o problema dos atrasos dos aeroportos brasileiros" serão tomadas. O governo também negou a existência de operação-padrão

O presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, disse que um grupo de trabalho fará uma auditoria, a partir de amanhã, para avaliar os prejuízos das companhias aéreas. O Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (Snea) calculou, em uma avaliação preliminar, que as empresas amargaram, nos últimos 15 dias, perdas de R$4 milhões ao dia.

Ontem, no Aeroporto Internacional Antonio Carlos Jobim, dos 95 vôos programados, 50 tiveram atrasos médios de três horas. Grande parte dos atrasos aconteceu nos vôos nacionais e até as 9h. Nos aeroportos de São Paulo, que têm cerca de mil pousos e decolagens por dia, os atrasos chegaram a duas horas. Ontem, terminou o prazo para as companhias aéreas apresentarem ao Procon-SP um plano emergencial para atender aos passageiros nos feriados de amanhã e segunda-feira. O Procon só vai se pronunciar hoje sobre o assunto.

COLABORARAM Fernando Cassaro (do "Diário de S.Paulo") e Bruno Rosa