Título: Gol: falha de comunicação pode ter causado queda
Autor: Jailton de Carvalho
Fonte: O Globo, 17/11/2006, O País, p. 9

Relatório preliminar da Aeronáutica diz que centro de controle e Legacy tentaram contato, sem sucesso, 26 vezes

BRASÍLIA. O relatório preliminar da Comissão de Investigação da Aeronáutica informa que o choque entre o Boeing 737-800 da Gol e o Legacy da empresa americana ExcelAire, em 29 de setembro, pode ter sido provocado por falhas de comunicação entre os pilotos do Legacy e o Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Brasília. O documento revela que o centro de controle e o jato fizeram, sem sucesso, 26 tentativas de contato, a última delas um segundo antes da colisão. Os dois aviões se chocaram com as asas esquerdas. O desastre, o maior da história da aviação brasileira, matou os 154 passageiros e tripulantes do Boeing.

Os militares sustentam ainda que o transponder do Legacy, essencial para identificar a altitude do avião, ficou uma hora sem comunicação com os radares de Brasília e de Manaus. O acidente ocorreu a 37 mil pés de altitude, faixa reservada ao Boeing. Pelo plano de vôo original, elaborado no Centro de Controle de Tráfego Aéreo de São José dos Campos, o Legacy deveria estar, naquele momento, a 38 mil pés de altura. O Legacy partiria de São José dos Campos a 37 mil pés, viajaria até Brasília nessa altitude, depois desceria para 36 mil pés e, num dado trecho, subiria para 38 mil pés, até chegar em Manaus.

Legacy tentou 17 vezes o contato

O relatório não deixou claro, porém, se os pilotos do Legacy se mantiveram na faixa original dos 37 mil pés por conta própria ou se foram instruídos a não alterar a rota. A FAB também não sabe se o transponder não estava funcionando por problema técnico ou por má operação.

O documento foi feito por uma comissão de investigação presidida pelo coronel Rufino Antonio da Silva Ferreira. Segundo ele, o acidente foi provocado por um conjunto de problemas. Mas ainda é cedo para indicar as causas definitivas do desastre. A comissão ainda pretende interrogar os controladores de vôo de plantão no dia do acidente e os pilotos do Legacy.

- Qualquer conclusão agora é prematura - disse Rufino.

Pelo relatório, os problemas começaram às 15h51m. O Legacy atravessou o espaço aéreo de Brasília e seguiu direto para Manaus a 37 mil pés de altitude sem solicitar ou receber qualquer instrução do Centro de Controle do Tráfego Aéreo da capital do país. A faixa de 37 mil pés estava reservada ao Boeing da Gol, que decolara de Manaus com destino a Brasília às 15h35m. Nove minutos após a passagem do Legacy por Brasília, os problemas se agravaram. O radar do Centro de Controle, em Brasília, deixou de receber os sinais do transponder do jato. A partir daí, os controladores de vôo já não podiam saber em que altura viajava o jato.

Vinte e quatro minutos depois dessa constatação, o Centro de Controle começou a tentar fazer contato com o Legacy. Foram sete tentativas. Na última delas, às 16h53m39s, o Centro de Controle de Brasília tentou, em vão, transferir o controle do Legacy para o Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Manaus. Os pilotos do Legacy ouviram parte da mensagem, mas não conseguiram captar os decimais da freqüência indicada para a comunicação com a torre de controle de Manaus: 123.32 MHz ou 126.45 MHz.

Neste mesmo tempo, das 16h48m16s até às 16h56m53s, os pilotos do Legacy também tentaram, sem êxito, falar com o controle de vôo. Foram 19 chamadas para o Centro de Controle, em Brasília. Um segundo após a última chamada, às 16h56m54s, a asa esquerda do Legacy esbarrou na asa esquerda do Boeing. Os dois aviões estavam a uma altura de 37 mil pés, no norte do Mato Grosso, numa faixa intermediária entre as torres de comando de Brasília e de Manaus.

Depois do choque, o Boeing despencou em parafuso até se espatifar de vez num trecho da floresta do Parque Nacional do Xingu. A queda durou pouco mais de um minuto.

- A queda foi realmente muito violenta. Vários limites estruturais da aeronave foram excedidos - disse o coronel Rufino, indicando que o avião começou a se desintegrar.

O coronel não disse, no entanto, se tripulantes e passageiros tiveram tempo suficiente para prever o fim trágico. Na primeira fase das buscas, numa base instalada na Fazenda Jarinã, em Peixoto de Azevedo, um oficial da Aeronáutica disse que alguns corpos foram encontrados com dedos cruzados em figa. O relatório da comissão informa ainda que, três minutos depois da colisão, os radares do Centro de Controle de Tráfego Aéreo de Manaus começaram a receber os sinais do transponder do Legacy, com informações precisas sobre código de identificação e altura do jato.

A partir daí, em menos de dez minutos, o Legacy entrou em procedimento de pouso no Campo de Provas da Aeronáutica, na Serra do Cachimbo. O relatório informa ainda que o TCASS, equipamento anticolisão do Legacy, não fez contato com o TCASS do Boeing. O documento não diz qual dos dois equipamentos falhou. Os dois equipamentos só funcionam se houver emissão recíproca de sinais. O defeito de um inviabiliza o funcionamento do outro.

O relatório da Comissão de Investigação não aponta os responsáveis pelas falhas nas tentativas de comunicação entre o Legacy e o Centro de Controle, em Brasília. Mas informa que os radares do Centro estavam em perfeito funcionamento em relação a outros aviões. "Não ocorreram problemas de comunicação entre o vôo 1907 (Boeing da Gol) e os órgãos de controle durante toda a operação", diz o texto. Mas o coronel Rufino sustenta que só haverá conclusões definitivas com os desdobramentos das investigações.

A comissão vai ainda interrogar os controladores de vôo e os pilotos do Legacy. Hoje, a Força Aérea Brasileira suspende as buscas da última vítima do acidente, ainda não localizada.