Título: Fome é dura realidade para 35 milhões nos EUA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 17/11/2006, Economia, p. 27

Para 12% dos americanos, falta dinheiro para comer. Governo prefere falar em "baixa segurança alimentar"

WASHINGTON. Trinta e cinco milhões de americanos têm passado Fome. Isso é o equivalente a 12% da população dos Estados Unidos. Mas ao constatar essa situação, por meio de pesquisa nacional, divulgada ontem, o Departamento de Agricultura buscou resolver o problema de uma forma semântica: substituir a palavra "Fome" por um termo considerado mais apropriado do ponto de vista técnico, mas que, na verdade, serve para esconder a realidade. Assim, em vez de noticiar que há americanos famintos, por não terem dinheiro suficiente para comprar comida, o governo informou que há americanos "com segurança alimentar muito baixa".

- A palavra Fome não é um termo cientificamente preciso para o fenômeno específico que é medido na pesquisa sobre segurança alimentar - disse Mark Nord, sociólogo do Departamento de Agricultura, responsável pelo informe.

Atraso na divulgação gera polêmica eleitoral

Trata-se de levantamento anual, divulgado habitualmente em outubro. Este ano, a divulgação foi atrasada em um mês, o que levou o Partido Democrata a denunciar uma suposta manobra, visando a evitar o impacto da informação nas eleições do último dia 7, que a oposição acabou vencendo.

A pesquisa mostrou que 60% das 35 milhões de pessoas passaram Fome muitos dias ao longo de 2005, por falta de dinheiro. Além disso, 96% se viram obrigadas a reduzir o tamanho das refeições, ou deixar de fazer uma ou mais refeições, pelo mesmo motivo.

- A idéia de remover a palavra "Fome" de nossos informes oficiais é um enorme desserviço a milhões de americanos que lutam diariamente para se alimentar e às suas famílias. Não podemos esconder a realidade - disse David Beckmann, presidente do grupo Bread for the World.

O índice de famintos praticamente coincide com o de pobreza no país, divulgado em agosto passado. Segundo o Birô do Censo, 37 milhões de pessoas (12,6% da população) viviam na miséria no ano passado. Segundo a fórmula de cálculo, está abaixo da linha da pobreza o trabalhador que ganha, no máximo, US$1.659,75 mensais e tem mulher e dois filhos. Ou uma pessoa que viva sozinha e receba até US$831,08 por mês.

Renda de pobres subiu 3%, ricos ganharam 42% mais

Convertidos em reais, tais salários podem parecer atrativos. Mas são insignificantes nos Estados Unidos, onde o custo de vida é bem mais alto que no Brasil e onde são insuficientes para bancar uma alimentação adequada.

Um dos motivos para essa situação é a de que o crescimento dos salários não tem acompanhado o da produção. Enquanto esta teve aumento de 16,6% entre 2000 e 2005, a compensação para o trabalhador cresceu em média 7,2%. A renda dos pobres subiu apenas 3% entre 1989 e 2006; enquanto a dos ricos cresceu 42% e a dos milionários (que ocupam uma fatia de 1% da população) subiu nada menos que 75%. O salário mínimo não é reajustado desde 1996.

- O pior é que o governo ainda não estabeleceu regras para a redução da pobreza ? disse Larry Aber, professor de Políticas Públicas da New York University.

Miséria é o dobro da meta fixada para 2010

A falta de uma política específica para acabar com a pobreza está clara nos resultados do levantamento divulgado ontem. O governo fixara, em 2000, uma meta de redução da miséria para um índice máximo equivalente a 6% da população, até 2010. O ano de 2006 está chegando ao fim e o nível é mais que o dobro do objetivo.

A decisão de extirpar a palavra "Fome" dos informes oficiais foi tomada pelo governo depois que um grupo de estudos do Departamento de Agricultura concluiu que ela só deve ser usada para se referir "a uma potencial conseqüência da inseguridade alimentar que, uma vez prolongada, devido à involuntária falta de alimentos, resulte em desconforto, doença, fraqueza ou dor que vá além de uma costumeira sensação desconfortável".

- Para medir realmente a Fome, o governo teria que perguntar às pessoas se a falta de comer as levou a sofrer problemas mais sérios - justificou Nord, o responsável pelo estudo.