Título: Suplicy: Radiobrás não pode ser aparelho de partido
Autor: Chico de Gois e Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 15/11/2006, O País, p. 8

Petistas tentam influir e mudar rumos da agência, cujo presidente já pôs o cargo à disposição de Lula

BRASÍLIA e RIO. No rastro do ex-ministro Luiz Gushiken, o presidente da Radiobrás, Eugênio Bucci, também antecipou-se à reforma ministerial e encaminhou seu pedido de demissão ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva por intermédio do secretário-geral da Presidência, Luiz Dulci, a quem a estatal está ligada. Embora não admita publicamente, a demissão de Bucci resulta da divisão entre petistas sobre os rumos que a agência deve ter no segundo mandato de Lula. Alguns petistas entendem que a Radiobrás, por ser uma estatal, deveria ser a porta-voz das ações do governo. Porém, acabou se transformando num órgão independente, noticiando inclusive fatos negativos ao governo, como foi o caso da CPI do Mensalão e do dossiê contra tucanos que seria comprado por "aloprados" ligados às campanhas de Lula e do senador Aloizio Mercadante (PT-SP) ao governo paulista.

Senador petista critica uso político

Bucci afirma que sua saída deriva de sua concepção de agente público. Para ele, o servidor público em função comissionada deve permanecer quatro anos no cargo. Ele defende a renovação nos postos. Ontem, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) fez um discurso da tribuna do Senado elogiando o profissionalismo de Bucci e criticou o eventual uso político das instituições. - Instituições públicas, como as escolas, os hospitais, o IBGE e a própria Radiobrás, devem ser administrados com espírito público, não se tornando aparelhos de quaisquer interesses político-partidários - defendeu Suplicy. O líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), considerou uma "especulação totalmente absurda" a informação de que setores do PT estariam interessados em controlar a Radiobrás para torná-la mais palatável aos objetivos do governo em difundir apenas notícias positivas. - Isso é uma especulação envenenada - criticou. Para ele, um veículo de comunicação do governo "tem de agir com critérios da boa informação": - Não temos de selecionar o noticiário da Radiobrás. Fontana, porém, é favorável a "mecanismos de acompanhamento da sociedade" sobre os meios de comunicação. Mas apressa-se em dizer que isso nada tem a ver com censura: - Tem de haver a preocupação do justo equilíbrio entre a liberdade de imprensa e mecanismos que protejam a sociedade dos excessos. Essa discussão tem de ser feita pela própria sociedade, e não pelo governo. Nos últimos meses, o comportamento de Lula em relação a jornais e emissoras de rádio e TV tem alternado entre críticas nos palanques e elogios em seminários e entrevistas coletivas. Em 29 de agosto, na abertura do 6º Congresso Brasileiro de Jornais, o presidente chamou a imprensa de "grande praça pública". - Minha história política se deve muito à imprensa livre e independente - discursou. "Não quero uma imprensa totalmente contra" Dois dias depois, em comício ao lado do ex-governador mineiro Newton Cardoso, Lula mudou de tom: - A imprensa me trata muito bem (risos). Mas eu tenho as costas largas. Se dessem a mim 10% do tratamento dado ao Fernando Henrique Cardoso, eu teria 80% nas pesquisas. Na reta final da campanha do primeiro turno, o presidente reforçou a estratégia de se apresentar como vítima dos meios de comunicação. - Eu nunca vi tanto preconceito. Porque se a imprensa brasileira tivesse comigo apenas o tratamento republicano, nada mais do que isso... não queiram que a imprensa seja chapa-branca, mas não quero que seja também uma imprensa totalmente contra - disse, em 23 de setembro. Na semana passada, já reeleito, Lula recordou os tempos da censura e disse, em tom de ironia, que "agora é proibido falar a favor". - Se tem uma coisa que ficou nítida nessa eleição é que neste país existe mais povo do que formador de opinião - acrescentou o presidente.

Projeto no Senado prevê mudança na Lei de Imprensa

As críticas voltaram anteontem, na Venezuela, quando o presidente se comparou a Hugo Chávez, dizendo que os dois foram agredidos pela imprensa. Na comitiva estava o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), que tem um projeto na Comissão de Educação do Senado que altera a Lei de Imprensa para coibir a divulgação, pelos meios de comunicação, de informações "potencialmente" ofensivas à honra. A relatora Fátima Cleide (PT-RO) já deu parecer favorável, mas houve um outro contrário e, por isso, a proposta agora será discutida em audiência pública antes de ser efetivamente analisada na comissão do Senado.