Título: Tempo e coalizão
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/11/2006, O Globo, p. 2

Em todas as conversas que teve ontem, o presidente Lula deixou claro que a foto de sua posse será com o Ministério atual. Que o novo só sai em fevereiro, após a eleição das Mesas do Congresso. Se não estiver blefando para neutralizar as pressões enquanto monta seu jogo, a decisão pode ajudá-lo a construir uma coalizão partidária mais próxima do que isso de fato significa.

Até lá, as diretrizes para o segundo mandato estarão mais claras. Essa angústia do presidente por medidas econômicas pró-crescimento só comprova que, na campanha, ele não tinha um programa definido. Nisso empatou com os adversários, que também não tinham. Concordando com Lula, o presidente do Senado, Renan Calheiros, dizia depois do encontro: "Uma coalizão nasce em cima de um programa. Participação no governo é decorrência. O presidente está certo. De nossa parte não haverá pressão nem ansiedade". Promessa difícil de ser feita, mas Lula arrancou-a do PT e do PMDB.

Até fevereiro, a maioria dos partidos já pode ter renovado suas direções, quase todas com validade vencida. Pode ainda conseguir que os aliados se entendam e evitem disputas danosas na eleição das Mesas. Esses postos são da estrutura do Legislativo, devem ser ocupados segundo a correlação de forças entre os partidos. Não devem, portanto, entrar nas contas da partilha no Executivo. Se Lula tem essa intenção, pode se dar mal. Interlocutores dizem que não, que ele tenta apenas evitar que insatisfações decorrentes da composição do Ministério deságüem na disputa das Mesas, criando situações desastrosas como foi a eleição de Severino Cavalcanti para a presidência da Câmara. Antes de abocanhar seus quinhões no governo, é possível que os partidos fiquem de fato mais propensos ao entendimento na sucessão parlamentar.

Estando em pauta a formação de um governo de coalizão, é oportuno desfazer alguns sofismas, com base na experiência de outras democracias.

1. Programa - Coalizões são feitas em torno de um projeto, de políticas públicas claramente definidas, inclusive em documentos públicos. Ainda não temos notícia disso.

2. Cargos - A entrega de postos do governo aos aliados não é necessariamente fisiologismo. Passa a ser se o único objetivo dos partidos é instalar-se nesses postos para fazer politicagem e até malfeitorias. Definidas as diretrizes, os aliados ocupam posições e tratam de executá-las.

3. Proporcionalidade - Se o objetivo da coalizão é garantir maioria parlamentar, é óbvio que o compartilhamento do governo deve levar em conta o tamanho das bancadas. E disso o PT não poderá reclamar. Lula teve 60,1% dos votos, mas o partido só conquistou 16% das cadeiras.

4. Porteira fechada - O partido que ocupa uma pasta, em países que praticam a coalizão, é inteiramente responsável por ela. Pelos cargos e pela gestão. A diferença é que, em outros países, os cargos de livre nomeação não são tantos. Governa-se basicamente com os de carreira. Mas, mesmo assim, a coabitação partidária na mesma pasta mostrou-se danosa e conflituosa.

Esses pontos podem servir ao vício e à virtude, mas não podem ser vistos como uma danação em si.

André Singer, porta-voz e secretário de Imprensa do Planalto, cumpriu ontem a formalidade de colocar o posto à disposição do presidente. Nada indica, porém, que será substituído.

Distensão

Lula ganhou o dia recebendo ontem dois governadores de oposição. "Foi um forte indicador de que existe espaço para a convergência e a distensão que o presidente propôs logo que foi reeleito", diz o ministro Tarso Genro. O movimento de ampliação do diálogo continua. Na semana que vem, Lula vai procurar o prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab (PFL), para tratar de projetos compartilhados entre a prefeitura e o governo federal, como o Pró-Jovem. No dia 20, Tarso terá um encontro com a direção nacional da OAB, para discutir o interesse e a eventual participação da entidade no esforço para fazer deslanchar a reforma política. Terá que haver mesmo alguma pressão de fora sobre o Congresso para que os políticos se animem a reformar a própria política.

NESTE SÁBADO, o PPS faz em Brasília um congresso extraordinário para aprovar a fusão com o PHS e o PMN, a ser formalizada amanhã. Da união surgirá o MD (Mobilização Democrática), partido que terá a sexta bancada da Câmara, com 27 deputados. Com isso, os três partidos escapam das punições da cláusula de barreira. Os partidos similares que não buscaram o subterfúgio da fusão não concordam. Mas se o TSE, intérprete maior da lei, acha que as fusões valem, nada há a fazer.

O SENADOR eleito Francisco Dornelles aplaude o pacto administrativo firmado entre o governador eleito Sérgio Cabral e o prefeito Cesar Maia. "O Rio sai ganhando. Sou a favor de que a União delegue aos estados tudo o que eles podem fazer melhor, que estes assim procedam em relação às prefeituras e estas, à iniciativa privada".

Civilidade

Brasília vive e pulsa muito além da esplanada do poder, mas não pode ser governada desconsiderando-se o fato de ser capital federal. Nos últimos quatro anos, as linhas de comunicação entre o Palácio do Planalto e o do Buriti, ocupado pelo ex-governador Roriz, estiveram truncadas. O governador eleito, José Roberto Arruda (PFL), foi dizer ontem a Lula que está aberto a uma convivência harmoniosa baseada no interesse público, à parte sua filiação partidária. Nada mais sonoro para Lula, nesta hora em que busca interlocutores também na oposição. Para começar, Arruda disse-lhe que só programará a própria posse depois que a de Lula estiver planejada. Para não ofuscá-la, não haver coincidência de horário nem tumulto na cidade. Isso é civilidade política.