Título: CNBB: Bolsa Família vicia
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 18/11/2006, O País, p. 3

Bispo diz que programa é assistencialista, não estimula procura por trabalho e induz à acomodação

OBolsa Família, principal programa social do governo Lula, foi duramente criticado ontem pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). O presidente da Comissão Pastoral Social da entidade, dom Aldo Pagotto, disse que o programa vicia, é assistencialista e ainda faz com que os beneficiários fiquem acomodados a ponto de não quererem mais trabalhar. Para dom Aldo, seria necessário o investimento em cursos profissionalizantes para dar condições de trabalho aos mais pobres.

- Do modo como está sendo levado adiante, o programa vicia. É só uma ajuda pessoal familiar que levou à acomodação, ao empanzinamento. Não há uma visão de crescimento, de desenvolvimento, de inserção. No Nordeste, há pessoas que não querem mais trabalhar porque não precisam mais, se contentam com o mínimo. Precisamos dar aos jovens oportunidade de estudos não só acadêmicos, nas universidades, e sim profissionalizantes, para haver a inserção no mundo do trabalho - disse o bispo.

Dom Aldo Pagotto deu as declarações ao lado do presidente da CNBB, dom Geraldo Majella, em uma entrevista coletiva. Embora não tenha sido tão enfático, dom Geraldo afirmou que a opinião dele reflete a da entidade. Também estava presente ao evento o presidente da Cáritas Brasileira, dom Demétrio Valentini, que expressou timidamente uma opinião divergente, usando uma frase recorrente do presidente Lula.

- Se há falhas a corrigir, há também o reconhecimento de que nunca na história política do nosso país o povo pobre se sentiu tão integrado. O presidente está agora muito avalizado pelos votos dos eleitores para continuar esse programa - disse.

Ministério alega que não há dependência

Dom Aldo Pagotto afirmou que suas críticas não eram pessoais ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele afirmou que suas opiniões deveriam servir de alerta para que o governo mude urgentemente os rumos do Bolsa Família.

A diretora do Cadastro Único de Programas Sociais do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Lúcia Modesto, rebateu as críticas. Ela disse que dados de levantamentos realizados pelo ministério mostram que o Bolsa Família não causa dependência. Também afirmou que, se os benefícios fossem extintos, praticamente dobraria o número de indigentes no país.

Lúcia informou que, segundo dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), 70% dos beneficiários trabalham. Desses, apenas 15% têm carteira assinada. Os demais ocupariam empregos precários e com baixa remuneração. Lúcia também disse que levantamentos feitos pelo ministério mostram que os programas de transferência de renda aumentam de 25% a 30% os proventos da família. Esse dado comprovaria que existe atividade produtiva entre os beneficiados.

- Temos sim alguns casos de mães com quatro filhos que recebem, portanto, R$95 do Bolsa Família. Muitas vezes, elas preferem ficar em casa cuidando dos filhos do que sair para ganhar R$3 por dia de trabalho. Isso acontece em locais onde o trabalho é mais precário - disse Lúcia Modesto.

O ministro do Desenvolvimento Social e do Combate à Fome, Patrus Ananias, está de férias e não quis comentar as críticas da CNBB. A diretora do programa, no entanto, afirmou que o ministro estará sempre de portas abertas para receber a instituição, com suas demandas e reclamações.

"Gosto de decepção na boca", diz bispo

Dom Aldo Pagotto aproveitou a ocasião para fazer outras reclamações ontem. Ele disse estar preocupado com a forma como os postos estão sendo negociados para o segundo mandato de Lula, especialmente os ministérios. Dom Aldo pediu que o governo entre em contato mais direto com as demandas do povo.

- Espero que o presidente Lula escute mais o povo. Nós estamos com receio de que, nessas negociações com partidos, haja muita barganha. Nossa sugestão é o debate. Há muitas coisas que não saem do papel, como a reforma política, a reforma tributária, a reforma fiscal. Estamos com gosto de decepção e amargura na boca, a verdade é essa.

Já dom Geraldo Majella comemorou ontem a considerável renovação do Congresso Nacional ocorrida na última eleição. Para ele, os brasileiros estão começando a reagir aos casos de corrupção que tomaram conta do país recentemente.

- Os próprios eleitores fizeram um julgamento, se houve renovação no Congresso. Muitos nomes de políticos que estavam atuando há muitas legislaturas não foram reeleitos. A população começou a pensar um pouco mais - disse o presidente da CNBB.

O presidente da entidade não comentou a reeleição de Lula. E anunciou que em 2007 fará campanha acirrada contra privatizações e pedirá a anulação da venda da Vale do Rio Doce, ocorrida há dez anos. A entidade deve organizar um plebiscito para debater a questão da Vale.

O ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, não quis ontem responder às críticas da CNBB. Tarso apenas disse que o presidente Lula pretende conversar com várias entidades da sociedade civil a partir de agora, além dos encontros partidários que está mantendo.

- Não vou responder à crítica da CNBB. Mas, ao longo desse mês, o presidente vai chamar as maiores representações dos movimentos sociais para ouvir (quais são) as políticas do governo. A CNBB tem voz e será ouvida nesse processo - disse Tarso.

COLABOROU: Cristiane Jungblut