Título: Salário ditado pela cor
Autor: Cássia Almeida e Heliana Frazão
Fonte: O Globo, 18/11/2006, Economia, p. 33

Branco ganha o dobro do negro. Diferença de renda se mantém desde 2002

Em pleno Século XXI, a sociedade brasileira ainda convive com a histórica desigualdade entre raças. Os brancos no mercado de trabalho brasileiro estão ganhando o dobro dos negros, numa proporção que se mantém desde 2002. Naquele ano, os brancos recebiam pelo trabalho 103% a mais que pretos e pardos. Em setembro deste ano, os pretos e pardos tinham Salário médio de R$660,45, enquanto os brancos, de R$1.292,19. O retrato da desigualdade racial no trabalho foi apresentado ontem pelo IBGE, num estudo especial feito com base nos dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), que investigou 41 mil domicílios. O levantamento mostra que não há atividade econômica ou tipo de ocupação que posicione os negros, pelo menos, ao lado dos brancos. Os trabalhadores negros na construção, apesar de serem maioria nessa atividade, ganham 41,9% menos que os colegas brancos.

- O problema da diferença expressiva de escolaridade, pode, de certa forma, explicar esse diferencial no tocante à renda. Isso não se melhora da noite para o dia. A forma de inserção histórica dessa população no passado foi muito pesada. Não foram feitas políticas para diminuir essa diferença entre pretos e pardos e brancos - disse Cimar Azeredo, gerente da Pesquisa Mensal de Emprego (PME).

Em dez anos de trabalho numa agência bancária, Rosane Meira só ganhou os aumentos negociados pelo sindicato. Nunca conseguiu reajuste por mérito, apesar de, durante um ano seguido, ter batido as metas e estar entre as melhores na sua função. Cursando direito, viu colegas ascenderem na carreira com menos escolaridade e desempenho piores.

- Ganho apenas o Salário base para a função. E já sofri discriminação clara. Uma cliente se recusou a abrir conta comigo, pela minha cor - conta Rosana, que atualmente está afastada do banco em licença médica e ganha R$1.800.

O Salário da bancária é um pouco menor que a média para os negros que completaram o curso superior. Quando consegue completar esse nível de ensino, a desigualdade fica menor, mas permanece alta: brancos com a mesma escolaridade ganham 47,6% a mais.

Para o diretor do Instituto de Economia da UFRJ, João Saboia, a escolaridade é o que mais afasta negros e brancos no mercado de trabalho. O nível de instrução menor acaba provocando essa disparidade de renda. A qualidade das escolas também influencia nesse quadro de desigualdade:

- Num estudo que fizemos, comparando as mesmas profissões, vimos que a desigualdade diminui muito, a cerca de 15%. Em algumas ocupações que exige nível superior, essa diferença até some. Estudos mostram que a discriminação é um dos elementos para alimentar a desigualdade, mas a educação exerce um papel mais importante nessa situação.

Em Salvador, a diferença de ganhos é a maior entre as seis regiões metropolitanas acompanhadas pela PME. Enquanto, na média, os brancos ganham o dobro dos negros, na capital baiana, esse valor 171% maior. E os trabalhadores distantes no Salário convivem no mesmo canteiro de obras. O pedreiro Raimundo dos Santos, nascido no interior, procurou a capital, em busca de uma vida melhor. Até agora, o que ele conseguiu foi a carteira de trabalho assinada como auxiliar de produção.

- A cidade é pequena e eu não tinha uma profissão, precisava trabalhar no que aparecesse. A construção civil foi a opção que me pareceu mais fácil - conta.

Raimundo ganha pouco mais de um Salário mínimo, com ensino médio incompleto. Tem ao lado, no trabalho, o técnico de segurança da obra, Amaro Aquino Marques, cujo Salário é quase sete vezes maior que o seu, embora o nível de escolaridade seja apenas um ano a mais de estudo. Além da questão salarial as diferenças são identificadas no tom da pele e no fato de Amaro Aquino ter crescido numa capital e ter acesso mais fácil ao ensino e à capacitação.

- Já rodei o país trabalhando em grandes obras. Essa é a sexta seguida para a qual sou contratado em Salvador, nos últimos anos - afirma.

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