Título: AGRICULTURA SAUDÁVEL
Autor: Chico Graziano
Fonte: O Globo, 21/11/2006, Opinião, p. 7

Cresce a agricultura orgânica no Brasil. Há 30 anos conquista adeptos, cria mercado. Está madura para, agora, investir em tecnologia e certificar sua qualidade. Produto orgânico não pode significar má agricultura.

Aqui reside a grande preocupação dos técnicos que trabalham na regulamentação, aguardada para breve, da lei 10.831/03. Normas devem estabelecer os requisitos técnicos da produção orgânica e sua comercialização. Garante o agricultor e protege o consumidor.

Atualmente, estima o Ministério da Agricultura que existam 810 mil hectares de cultivo, ou criação, orgânicos no país, envolvendo 12.800 produtores. Esse volume coloca o Brasil em sexto lugar no mundo, atrás da Austrália, da China, da Argentina, da Itália e dos EUA.

A grande sensação da 4ª Biofach, feira orgânica internacional recentemente realizada em São Paulo, foi o interesse dos norte-americanos. Trata-se de fabuloso mercado, rico. Parece que o combate à obesidade, entre os gringos, provoca uma onda na direção dos produtos naturais. Nessa, a virtude do orgânico se sobressai.

Mas, afinal, de que se trata? Agricultura orgânica, na sua origem, representa uma reação à quimificação dos insumos agropecuários, notadamente os agrotóxicos e os fertilizantes solúveis. Uma espécie de retorno às origens.

A evolução do conhecimento agronômico criou a moderna agronomia, desaguando na "revolução verde". O melhoramento genético selecionou plantas e animais com elevado potencial de produção. Houve extraordinário salto na produtividade agrícola.

A famosa lei de Malthus estava superada pela tecnologia rural. Se persiste, a fome advém da injustiça econômica, não da dificuldade de produção de alimentos. Deu até Nobel da Paz. Em 1970, a modernização agrícola consagrou seu expoente, o agrônomo Norman Borlaug.

Tudo resolvido? Não. Insumos artificiais, monocultura, mecanização, seleção genética, desmatamento, alta escala, todo o "pacote" tecnológico da moderna agricultura embutia forte pressão contra as leis naturais. Rápida produção, instabilidade ecológica.

No descontrole das pragas e doenças reside o maior problema. Centenas de insetos, fungos, bactérias, antes inócuos, tornaram-se terríveis patógenos. Os bichos desenvolveram resistência aos venenos, ressurgindo nas plantações.

De um lado, o movimento de contestação tecnológica empurrou a agronomia tradicional rumo à agricultura sustentável. Tudo melhorou. Com a biotecnologia e a engenharia genética, nova agropecuária se forja.

Noutra vertente, sobressaíram-se as teses a favor da agricultura alternativa. Valorizavam o naturalismo, combatiam a monocultura e enfrentavam o capitalismo. Mesclavam ciência com ideologia, religião com ecologia. Nesse emaranhado, uma corrente, a linha orgânica, destaca-se, conquistando os consumidores.

Dois grandes desafios a ela se apresentam hoje. Primeiro, a barreira do elitismo. Os produtos orgânicos viraram grife de gente rica, com preço médio 30% acima dos convencionais. Ocupam, na linguagem do marketing, nicho de mercado. Um bom business, que atrai, aliás, muita picaretagem. Assim, a certificação é fundamental.

Segundo, a agricultura orgânica se supõe superior à produção dita convencional, não podendo representar volta ao passado. Para tanto, a pesquisa agropecuária haverá de aprimorar os sistemas orgânicos de cultivo e criação. É o progresso científico que reforçará a produção orgânica, jamais o retrocesso tecnológico.

A História carrega ironias. Cientistas desenvolvem plantas transgênicas superpoderosas que, resistentes às pragas e doenças, dispensarão no futuro o uso de agrotóxicos. Teoricamente, eliminando venenos químicos, mais orgânica será a agricultura. É sensacional vislumbrar essa possibilidade.

Como reage o fundamentalismo ecológico a essa hipótese? No xadrez da tecnologia, a agricultura orgânica enfrentará um xeque. Com inteligência, sem preconceitos, nem esperteza exagerada, defenderá sua virtude. Se apostar no atraso, cai o Rei.

No limite, prevalecerá a agricultura saudável.

XICO GRAZIANO é agônomo e deputado federal (PSDB-SP). xicograzianoterra.com.br.