Título: IRRITAÇÃO NOS AEROPORTOS
Autor: Regina Alvarez/Mônica Tavares/Ronaldo D"Ercole/Chi
Fonte: O Globo, 21/11/2006, Economia, p. 17

Em Curitiba, passageiros invadem pista e em SP policial saca arma para conter protesto

Os brasileiros voltaram a enfrentar ontem longos atrasos e confusão nos principais aeroportos do país. De acordo com a Infraero, 42,7% dos 1.270 vôos programados registraram demoras superiores a 45 minutos até o início da noite. O tempo de espera em mais da metade dos vôos (51,3%), informou a estatal, foi superior a 15 minutos. Alguns passageiros, porém, chegaram a esperar mais de 20 horas.

As empresas aéreas e a Infraero atribuíram os atrasos ao intenso tráfego aéreo, à chuva e ao rompimento, no domingo, de um cabo de fibra ótica do Cindacta 2, que coordena o espaço aéreo da Região Sul, durante temporal que atingiu Curitiba. A falha afetou a transmissão de dados de pousos e decolagens entre o aeroporto local (Afonso Pena) e outros aeroportos do país. Em Curitiba, passageiros chegaram a invadir a pista.

O vôo da empresária Luciana Zanelli, de Porto Alegre para o Rio, atrasou 20 horas e 20 minutos. No domingo, sua passagem estava marcada para as 19h20m. O trecho foi remarcado para as 23h20m, quando foi cancelado. Ela só conseguiu embarcar às 15h40m de ontem. E foi obrigada a fazer conexão em São Paulo. Sua viagem, que levaria pouco mais de três horas, durou 24 horas.

- Só consegui sair de São Paulo às 18h30m. Foi inacreditável. Os funcionários alegaram mau tempo. Um deles falou para voltar mais tarde ao aeroporto. Um absurdo - disse ela.

No Rio, na madrugada de ontem, um vôo para Buenos Aires saiu 16 horas depois do horário previsto do Aeroporto Tom Jobim, onde houve 52 atrasos e 40 cancelamentos. O tempo médio de espera superou duas horas. No Santos Dumont, até as 18h, 18 vôos atrasaram até uma hora e 40 minutos. Outros seis foram cancelados.

Em São Paulo e Curitiba, os temporais do domingo causaram transtornos. Na capital paranaense, ontem, mesmo com o conserto do cabo de manhã, dos 108 vôos previstos, 64 registraram atrasos médios de duas horas. Irritados, após esperar mais de dez horas, cerca de 40 passageiros de um vôo da Gol com destino a Foz do Iguaçu invadiram a pista do aeroporto curitibano, interrompendo o tráfego por dez minutos. A Polícia Federal convenceu os passageiros a retornarem ao terminal.

Em Congonhas, um temporal que fechou o aeroporto por 40 minutos, e a derrapagem de um jato executivo depois, no domingo à noite, desencadearam atrasos. Mesmo tendo operado até as 2h da madrugada na segunda-feira, Congonhas teve mais de 40 atrasos. Em Cumbica (Guarulhos), um agente da PF chegou a sacar um revólver para conter passageiros que protestavam. O caos também voltou ao Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre, onde 54 vôos atrasaram.

Os controladores de vôo e as empresas aéreas ficaram preocupados com a medida da Aeronáutica, que começou a vigorar às 19h de domingo, que permite a mudança de rotas nos vôos entre Sudeste e Nordeste, usando aerovias alternativas, margeando o litoral. Enquanto os trabalhadores dos centros de controle aéreo locais de Rio e São Paulo temem que o novo caminho cause a sobrecarga de trabalho - até então feito só pelo Cindacta 1, de Brasília - as companhias afirmam que as rotas, mais longas, trarão prejuízos com gasto extra de combustível e transtornos aos passageiros, que terão vôos mais demorados.

O Comando da Aeronáutica esclarece que a medida já está sendo utilizada para alguns vôos e que ajudará a desafogar o Cindacta 1 - epicentro do "apagão aéreo". As rotas valem também para os vôos internacionais vindos de Europa, África e Oriente Médio, que chegam por Recife.

Após IPM, ministro defende controladores

Segundo o Departamento de Controle do Espaço Aéreo, normalmente os vôos entre estas regiões são acompanhados pelo Cindacta 3 (Recife) até Porto Seguro, na Bahia, depois pelo Cindacta 1 e, a partir de Curitiba, pelo Cindacta 2, sediado na capital paranaense. A mudança fará com que os vôos sejam acompanhados, a partir de Porto Seguro e até Curitiba, pelos controles locais de Rio e São Paulo.

"As rotas são criadas mediante estudos técnicos. Elas só entram em operação de acordo com as normas. A rota é alternativa e só será usada quando houver necessidade. Muitas delas já existiam, só estavam desativadas", informou a Aeronáutica.

Muitos controladores estão insatisfeitos. Eles afirmam que os centros locais não dispõem de equipamentos tão poderosos quanto os dos Cindactas e que os trabalhadores não receberam treinamento.

- Faremos o fluxo de tráfego que é de competência do Cindacta. Ou seja, voarão cerca de uma hora e meia no limbo, só para não chamar o Cindacta Brasília - alertam trabalhadores.

Outros profissionais, porém, não vêem riscos, apenas sobrecarga de centros acostumados a um fluxo menor. Para eles, o maior problema é desafogar de um lado e aumentar as tarefas de outro. Já para as empresas a questão é econômica: combustível extra e escalas que podem ser afetadas.

- Já estamos calculando prejuízos e provavelmente vamos cobrar isso do governo. O uso das rotas litorâneas, algumas desativadas desde a Segunda Guerra, vai prejudicar empresas e passageiros - afirmou Anchieta Hélcias, diretor do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (Snea).

Na disputa interna do governo, o ministro da Defesa, Waldir Pires, saiu ontem em defesa dos controladores, na primeira entrevista após a Aeronáutica abrir Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar se houve ação criminosa na operação-padrão:

- Eles estão mobilizados. Estão aí trabalhando. Espero que sejam fortes. Somos cada vez mais dignos da vida quanto mais podemos resistir. Creio que somos capazes de resistir a muita coisa quando estamos mobilizados por dentro.

Pires disse ainda que não tinha conhecimento sobre relatórios da Aeronáutica descrevendo situações de quase acidentes, segundo informou a revista "Época". E afirmou que tudo que é possível está sendo feito para dar segurança à população e tranqüilidade para voar.

COLABORARAM Ronaldo D'Ercole, Ana Paula de Carvalho e Chico Oliveira