Título: Gabrielli, irritado, não explica ligações políticas
Autor: Chico Otavio
Fonte: O Globo, 22/11/2006, O País, p. 5

'Nosso investimento tem impacto enorme na economia. E as matérias falam em contratos de R$31 milhões'

O presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, disse ontem que, considerado o volume de contratos da empresa, "todo o tipo de interesses" pode ser encontrado entre prestadores de serviço e fornecedores da estatal. Em entrevista coletiva em que passou a maior parte do tempo atacando jornais e autores de reportagens que vincularam os convênios da Petrobras com ONGs ligadas ao PT e ao MST, ele procurou desqualificar o trabalho da imprensa e pouco falou sobre as denúncias.

Ao abrir a coletiva com um pronunciamento, Gabrielli minimizou a importância dos valores de contratos com ONGs:

- Nosso investimento (R$22,6 bilhões) tem impacto enorme na economia. E as matérias falam em contratos de R$31 milhões. É completa irrealidade e falsidade. Temos 70 mil fornecedores. Uma quantidade gigantesca. Escolher, entre eles, alguém que tenha alguma vinculação é a coisa mais fácil que tem.

Gabrielli foi agressivo e dirigiu ataques ao repórter do GLOBO ao ser perguntado sobre dois temas: o uso da estrutura das ONGs financiadas pela Petrobras na campanha pela reeleição do presidente Lula - como mostrou reportagem do jornal domingo - e assinatura de convênio no valor de R$228 milhões, sem licitação, com a Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) para treinamento profissional.

- Irresponsável! - reagiu Gabrielli, assim que o repórter (um dos autores da série de reportagens) se identificou.

Ao ser perguntado se a Petrobras mostraria pelo menos um dos contratos com ONGs, voltou a exibir a sua irritação:

- Evidentemente, você não é uma pessoa bem-vinda aqui - respondeu o presidente da maior estatal do país.

Para justificar o tom exaltado, o presidente da Petrobras alegou estar " indignado" e "revoltado" com as reportagens publicadas pelo GLOBO e pela "Folha de S.Paulo" sobre as ligações políticas da estatal. Dizendo que as reportagens fazem ilações, disse que também faria e acusou:

- Eu poderia, por exemplo, fazer uma ilação de que há coincidência muito grande entre a posição do PFL neste momento e o que você está fazendo. Com o que o senhor Heráclito Fortes (senador do PFL-PI que apresentou requerimento de criação de CPI para investigar ONGs, proposta desde a revelação de que o "aloprado" do dossiê Jorge Lorenzetti tinha recebido R$18 milhões do governo para uma ONG) está fazendo com a sua matéria, poderia dizer que você está trabalhando para o PFL.

Em nenhum momento da coletiva, convocada para responder às denúncias, Gabrielli entrou no mérito das reportagens, que mostraram dirigentes da ONGs favorecidas com dinheiro da empresa disputando a eleição deste ano pelo PT:

- Nosso critério é o trabalho que as ONGs fazem. Colaboramos com elas. Não interessam as ligações político-partidárias dos membros dela. Nos interessa o que é feito.

O presidente da estatal insistiu nos ataques:

- O que saiu no GLOBO e na "Folha" é irresponsabilidade profissional dos jornalistas. O que tem sido publicado é, ao nosso ver, um ajuntamento de informações que interessa ser divulgado. É uma completa ilação, irresponsável, tentando associar situações que não estão relacionadas com a ação da Petrobras.

Ao justificar o convênio com a Abemi, Gabrielli disse que a Petrobras identificou a necessidade de treinar 70 mil pessoas dentro do Programa de Mobilização da Indústria de Petróleo.

- Montamos 750 cursos em 5.400 turmas espalhadas em todos os estados, que vão treinar 70 mil pessoas. Os recursos são repassados diretamente às instituições que darão o curso. Nada passa pelas empreiteiras. O que saiu é fantasioso e mentiroso.

Gabrielli disse que considera "muito fácil" usar as declarações de contribuições eleitorais das empresas, identificar quanto cada um deu "para o partido A, B ou C e, a partir daí, buscar as relações com a Petrobras":

- Isso é mau jornalismo, é jornalismo marrom. É irresponsabilidade profissional.

Em nenhum momento, contudo, o presidente explicou as vinculações da ONGs e de empreiteiros favorecidos com os recursos da empresa.

Ele também classificou de absurda a notícia de que um integrante confesso do grupo que negociou a compra do dossiê contra tucanos, o petista Hamilton Lacerda, trocou pelo menos 15 ligações com o gerente de Comunicação Institucional da Petrobras, Wilson Santarosa:

- As explicações já foram dadas. Compete à Polícia Federal investigar.

A versão da Petrobras mudou ontem: primeiro disse que os telefonemas eram para tratar de ingressos para a Fórmula 1 e, depois, que eram para falar da campanha do petista Aloizio Mercadante em São Paulo, para quem Lacerda trabalhava.

AS LIGAÇÕES DE LACERDA PARA SANTAROSA na página 8

"Temos 70 mil fornecedores. Escolher, entre eles, alguém que tenha alguma vinculação é a coisa mais fácil que tem"

"Nosso critério é o trabalho que as ONGs fazem. Colaboramos com elas. Não interessam as ligações político-partidárias dos membros dela. Nos interessa o que é feito"