Título: 'ARRASTÃO DO CAIXA DOIS' FLAGRA 41 POLÍTICOS EM GO
Autor: Ricardo Galhardo
Fonte: O Globo, 22/11/2006, O País, p. 10

Onze dos 17 deputados federais eleitos no estado apresentam indícios de irregularidades nas prestações de contas

GOIÂNIA. O Ministério Público Federal em Goiás encontrou indícios de caixa dois nas prestações de contas de 41 candidatos a cargos legislativos. A lista inclui 11 dos 17 deputados federais eleitos por Goiás (65% da bancada), 20 dos 41 deputados estaduais eleitos (49% da Assembléia) e dez suplentes. Entre eles estão o ex-governador e senador eleito Marconi Perillo (PSDB), o ex-prefeito de Goiânia Pedro Wilson (PT), o deputado Sandro Mabel (PL), acusado de envolvimento com o mensalão, e Iris Araújo (PMDB), esposa do candidato derrotado a governador Íris Rezende (PMDB).

O arrastão do caixa dois em Goiás é fruto de uma idéia do procurador regional eleitoral do estado, Hélio Telho. Em julho, Telho reuniu os promotores eleitorais e pediu que eles acompanhassem gastos dos candidatos em seus municípios.

Durante três meses os promotores acumularam contratos de prestação de serviços, aluguéis de carros de som e comitês, despesas com gráficas, institutos de pesquisa, postos de combustível, empresas aéreas, agências de publicidade etc. Os documentos foram parar em dossiês para cada político.

Quando os candidatos apresentaram as prestações de contas, em novembro, o Ministério Público cruzou dados e descobriu gastos que comprovadamente existiram, mas não foram relacionados pelos candidatos. Os políticos suspeitos de caixa dois fizeram campanhas milionárias. Perillo gastou R$3,5 milhões; Mabel, R$1,7 milhão; Iris Araújo, R$1,3 milhão; e Pedro Wilson, R$237 mil.

O Ministério Público pediu a cassação da deputada estadual mais votada de Goiás, Flávia Morais (PSDB), por compra de votos depois de descobrir que ela pagou combustível para eleitores que participaram de uma passeata em apoio à sua candidatura em Trindade, no dia 30 de setembro. O deputado estadual eleito Samuel Belchior (PMDB) também é acusado de compra de votos. Ele teria prestado serviços médicos gratuitos a eleitores.

TRE-GO se recusa a notificar políticos sob suspeita

De acordo com Telho, é possível que entre os casos suspeitos existam erros contábeis ou formais. Em vez de ajuizar ações por caixa dois, ele pediu que o Tribunal Regional Eleitoral de Goiás notifique os candidatos a apresentar explicações. O TRE se recusou, alegando que o prazo para apreciação das contas dos candidatos ao Legislativo se encerra em 12 de dezembro. Telho fez uma representação ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para tentar obrigar o TRE a notificar os candidatos.

Quem não conseguir provar que a origem do dinheiro é lícita pode perder o mandato.

- Precisamos de melhores instrumentos para punir o caixa dois. A legislação incentiva o caixa dois. A lógica é a seguinte: se não fizer, corro o risco de não ser eleito. Se fizer, ganho mas corro o risco de perder o mandato. É melhor correr o risco de perder o mandato do que o de não ser eleito - disse Telho.

O procurador vê pouca chance de punição dos culpados.

- O caixa dois é difícil de comprovar. Quando a gente consegue provar, é difícil punir. Quando pune, é quase impossível aplicar a pena por causa dos recursos. Muitos mantêm sobrevida com liminares, e o mandato vai correndo - disse Telho.

Defensor do financiamento público de campanhas, o procurador acredita que as doações se tornaram fonte de renda para empresas doadoras.

- O financiamento de campanha é lucrativo. Quem financia quer retorno. O mandatário trabalha para o financiador e não para o eleitor. A gente, que conhece os bastidores das campanhas, sabe que é raro quem não faz caixa dois - disse.

'O MPF extrapolou'

Assessor de Perillo nega irregularidades

O Ministério Público encontrou indícios de caixa dois na prestação de contas do senador eleito Marconi Perillo (PSDB-GO), duas vezes governador do estado. Segundo o MPF, Perillo não declarou gastos com o pagamento de sete carros de som, três cabos eleitorais e 16 comitês espalhados pelo estado. A assessoria do ex-governador nega irregularidades.

O GLOBO localizou o proprietário de um dos carros de som, Jairo José da Silva. Ele confirmou que seu genro, Weber Pereira de Almeida, alugou o veículo ao PSDB:

- Sei que meu genro alugou. Mas não sei se foi para o Marconi ou para o candidato a deputado federal Geraldo Felix (PSDB). Só sei que ele recebeu o aluguel - disse Jairo.

Perillo está na Europa. Para o coordenador jurídico da campanha, Ademir Medina, o MPF extrapolou suas atribuições.

- Sair investigando? Pelo amor de Deus! O MP não é para isso. Prestação de contas é algo formal. Esse tipo de coisa só serve para causar tumulto - disse Medina.

Segundo ele, os comitês não contabilizados deverão entrar na prestação de contas do candidato eleito ao governo Alcides Rodrigues (PP), pois também foram usados pela campanha majoritária. Já os carros de som, diz Medina, são responsabilidade dos candidatos a deputado.