Título: CLIMA ENTRE CABRAL E CASAL GAROTINHO PIORA
Autor: Bernardo Mello Franco
Fonte: O Globo, 22/11/2006, Rio, p. 14

Governadora recebe hoje parte de relatório, pedido por sucessor, sobre situação do estado

Parte do relatório com informações sobre a situação financeira e administrativa do governo do estado chegará hoje às mãos da governadora Rosinha Garotinho. São documentos que respondem a 15 dos 30 itens cobrados pelo governador eleito Sérgio Cabral, há cerca de duas semanas. Caberá agora a Rosinha entregar os dados ao futuro governador.

O relatório é mais um capítulo da delicada relação entre Sérgio Cabral e a governadora. Ele já disse publicamente que esperava os documentos para que sua equipe de transição finalmente comece a trabalhar. O clima entre Cabral, a governadora e o ex-governador Anthony Garotinho vem piorando a cada dia. Aliados dos três acreditam que, em breve, não será mais possível manter publicamente a aparente tranqüilidade.

Briga tem tumultuado a transição de governo

Durante a campanha, Cabral apostou em fazer um discurso de oposição, devido à má avaliação do governo Rosinha e à rejeição a Garotinho, principalmente na cidade do Rio de Janeiro. O discurso oposicionista do candidato do partido do governo (PMDB) irritou o casal. Rosinha chegou a dar declarações públicas dizendo que, se ele quisesse, ela mandava projetos para reajustes de funcionários e outras ações que Cabral defendia na campanha. O então candidato ficou numa saia justa, mas manteve o discurso de mudança.

No primeiro encontro público entre Garotinho, Rosinha e Cabral - um café da manhã - a governadora disse que o novo governo seria o da continuidade. Em nova saia justa, Cabral saiu sem falar com os jornalistas sobre a declaração de Rosinha, que voltou a fazer propaganda usando como mote a frase "o governo que você aprovou".

A briga entre os dois tem levado a uma tumultuada transição. O governo nomeou apenas um secretário para cuidar do assunto: o da Receita, Antônio Francisco Neto. Ele era o menos indicado para a tarefa, porque assumiu apenas em abril deste ano e tem poucas informações sobre os gastos - área mais criticada por Cabral - já que ficou concentrado na arrecadação. O troco de Cabral não tardou. Ele resolveu pedir as informações do governo por escrito em 30 perguntas.

Uma delas, a de número 24, foi feita com o intuito de irritar profundamente o ex-governador. Cabral pediu todos os contratos com ONGs firmados pelo atual governo. A doação para a pré-campanha de Garotinho feita por empresas cujos donos eram responsáveis por ONGs que tinham contratos milionários com o estado acabou com a candidatura do ex-governador.

- Garotinho ficou muito irritado com isso - afirmou um aliado de Cabral. - O clima entre eles está muito perto do ponto de ebulição.

Outro motivo de irritação para Garotinho é que ele tem sabido das nomeações, inclusive de secretários atuais, pelos jornais. Isso foi motivo de muitas reclamações dele numa reunião do atual secretariado na quarta-feira passada.

- Ele (Garotinho) já disse que não esperava ser traído pelo Cabral tão cedo - contou um ex-aliado de Garotinho.

Além da parte administrativa, na área política Cabral vem tentando se isolar de Garotinho o máximo possível. A aliança com o PT já foi um primeiro passo para que, afastando-se do ex-governador, Cabral não fique isolado politicamente. O PT nacional está ajudando o futuro governador, indicando os nomes dos principais secretários - de Saúde, Educação e Segurança Pública - para que ele possa, fazendo um bom governo, deixar Garotinho sem discurso para 2010.

Aliança com governos mineiro e capixaba desagrada a Garotinho

A aliança de Cabral com os governadores de Minas Gerais e Espírito Santo também é um gesto que desagradou a Garotinho. O governador de Minas, Aécio Neves, será um provável adversário do ex-governador do Rio na corrida presidencial de 2010. Se um governador usa o governo mineiro como exemplo, desqualifica a administração fluminense. E o governador do Espírito Santo, Paulo Hartung, foi um dos que boicotaram a campanha de Garotinho em 2002, quando os dois eram do PSB, virando inimigo do casal.

Na entrevista do futuro governador no "Programa do Jô", o entrevistador debochou da greve de fome feita por Garotinho no início do ano. Cabral não só não o defendeu, como sorriu. Garotinho considerou que Cabral foi debochado.