Título: ROBERT ALTMAN, O CINEASTA QUE REJEITOU HOLLYWOOD
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Fonte: O Globo, 22/11/2006, Rio, p. 21

Para a surpresa de todos, "Crash - no limite", segundo longa-metragem do canadense Paul Haggis, levou o Oscar de melhor filme deste ano. No seu discurso de agradecimento, Haggis não citou o colega americano Robert Altman. Ninguém teria estranhado, no entanto, se ele o tivesse feito, já que "Crash" é nitidamente inspirado num dos filmes mais conhecidos de Altman, "Short cuts - cenas da vida" (2003).

Os dois filmes têm uma estrutura fragmentada, que alterna várias histórias e personagens. A mesma estrutura é utilizada em "Magnólia", longa-metragem dirigido por um discípulo assumido de Altman, o cultuado Paul Thomas Anderson. Haggis e Anderson não foram os únicos cineastas influenciados pelo diretor de clássicos modernos como "M.A.S.H." (1970) e "Nashville" (1975), um dos mais importantes da história do cinema americano.

Nascido no dia 20 de fevereiro de 1925, no Kansas, Altman se tornou uma lenda do audiovisual investindo num cinema inteligente, irreverente e autoral. Seu estilo elegante sempre foi fácil de identificar. Outra característica do seu cinema é o olhar crítico em relação a Hollywood e seu estilo de vida. Essa postura fez com que os grandes estúdios se afastassem dele e vice-versa. Sem os milhões de dólares de Hollywood, Altman penou para transformar em realidade muitos de seus projetos. Alguns deles não saíram do papel. Apesar disso, o cineasta nunca suavizou seu discurso.

- Só pensam nisso (dinheiro) no cinema americano. Tudo o que conta são as estrelas. Se você tem Tom Hanks ou Tom Cruise, não importa o que vai fazer - declarou, na época do lançamento de "Kansas City" (1996).

O cineasta usou suas experiências em Hollywood na hora de filmar "O jogador" (1992), que narra a história de um executivo sem escrúpulos de um grande estúdio.

Altman foi piloto da Força Aérea de 1943 a 1947. Depois de servir, ele passou a trabalhar como escritor de contos de revistas e roteirista. Em 1957, ele dirigiu seu primeiro longa-metragem, "Os delinqüentes", sobre uma gangue adolescente. Pouco depois, Altman dirigiu o documentário "The James Dean Story" ("A história de James Dean"), que chamou a atenção de alguns executivos da TV americana. Na década seguinte, ele se dedicou exclusivamente à televisão. Nesse período, dirigiu episódios de seriados lendários como "Alfred Hitchcock presents" e "Bonanza".

O cineasta começou a entrar para o time dos grandes mestres com o sarcástico "M.A.S.H.", que lhe rendeu a Palma de Ouro do Festival de Cannes e foi indicado ao Oscar. Centrado numa equipe de médicos e ambientado na Guerra da Coréia, o filme gerou um seriado homônimo que também fez muito sucesso. Hollywood quis fazer uma seqüência, mas Altman não cedeu. O diretor voltou a conquistar a crítica com "Nashville", que flagra os bastidores de uma campanha política e é, na opinião de muitos críticos, a obra-prima do cineasta.

"Prêt-à-porter" e "Assassinato em Gosford Park" são outros filmes de Altman que arrancaram elogios da crítica internacional. O diretor cometeu alguns deslizes, como "Popeye" e "De corpo e alma". O último filme de Altman foi o nostálgico "A última noite", que está em cartaz na cidade. Durante décadas, ele fez parte da galeria dos diretores sempre indicados, mas nunca premiados pela Academia. O cineasta foi indicado por "M.A.S.H.", "Nashville", "O jogador", "Short cuts - cenas da vida" e "Assassinato em Gosford Park". Este ano a Academia tentou corrigir seu erro concedendo a Altman um Oscar especial pelo conjunto de sua obra.

Robert Altman morreu anteontem à noite, aos 81 anos, num hospital de Los Angeles. A causa da morte do cineasta ainda não foi divulgada. Altman era casado com Kathryn Reed e deixou cinco filhos, três de outros casamentos.