Título: MULHER ATRÁS EM POLÍTICA E SALÁRIO
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 22/11/2006, Economia, p. 23

Baixa participação feminina faz Brasil ficar em 67º lugar em ranking de 115 países

OBrasil conseguiu praticamente eliminar as diferenças entre homens e mulheres no acesso a saúde e educação. Mas ainda deixa a desejar no que diz respeito à participação feminina na política e no mercado de trabalho. Num ranking inédito sobre disparidade de gêneros divulgado ontem pelo Fórum Econômico Mundial - entidade que promove em Davos, na Suíça, o mais importante encontro anual de líderes empresariais e políticos do mundo - o Brasil aparece na 67ª posição. O estudo, que abrange 115 países, ou mais de 5 bilhões de pessoas, concluiu que as mulheres têm apenas 15% do poder político exercido pelos homens. No Brasil, essa parcela é ainda menor, de 6,1%.

Os países nórdicos ocupam os primeiros lugares no ranking: Suécia, Noruega, Finlândia e Islândia, nessa ordem. O Iêmen, um país árabe, está na última posição.

Nas quatro variáveis avaliadas pelo Fórum - saúde, educação, oportunidades econômicas e participação política - o Brasil vai mal quando a referência é o mercado de trabalho. Apenas 37% dos cargos de chefia são ocupados por mulheres. E elas recebem um salário que é a metade do que ganham seus colegas homens quando exercem exatamente a mesma função.

A discriminação persiste apesar de, hoje, as mulheres terem mais instrução. Vera Soares, do Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem), lembra que as mulheres têm de um a dois anos de escolaridade a mais do que os homens no mercado de trabalho. Hildete Pereira de Melo, economista da UFF, acrescenta que 52% dos ocupados com nível universitário são mulheres.

- O problema é que quanto mais qualificada for a mulher, maior a diferença de salário frente ao homem de igual nível de instrução - explica Hildete.

A engenheira elétrica Luciana Trindade Rodelheimer viveu na prática esse preconceito. Cursando um MBA em Finanças e uma pós-graduação em Análise de Investimentos, Luciana foi descartada numa entrevista de emprego por ser jovem e casada. Ou seja, uma provável futura mãe.

- Nas entrevistas, sempre me perguntavam qual era minha idade, se eu era casada e se pretendia ter filhos. Num caso específico, soube por um conhecido que a empresa gostou muito do meu currículo, mas não me contratou por temer que eu engravidasse - conta Luciana, que hoje trabalha numa firma de telecomunicações e, na ocasião, em 2005, foi preterida por uma companhia de outro setor.

As dificuldades aparecem também quando a mulher ocupa um cargo de chefia. Danielle Cristina Rocha dos Santos é sócia de sua sogra num sacolão de verduras e legumes em Nova Iguaçu, o Hortifruti Pitangui. Ela quer ampliar o negócio, abrindo também uma peixaria, mas não consegue encontrar um sócio:

- Quando o interessado descobre que o sacolão é de duas mulheres, inventa uma desculpa. Já cansei de ouvir piadas e deboche quando vou fazer compras na Ceasa (Central de Abastecimento do Estado do Rio). No início, fiquei desanimada e quase desisti do sacolão. Só fui adiante porque recebi incentivo pessoal e profissional da Incubadora de Negócios Populares da Baixada.

O advogado trabalhista Roberto Balaciano Flamenbaum, do escritório Chalfin, Goldberg e Vainboin, afirma que o preconceito, no mercado de trabalho, aparece sobretudo na remuneração. Mas destaca que a lei protege as trabalhadoras: o artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) determina a equiparação salarial para profissionais que exerçam a mesma função e o artigo 226 da Constituição Federal prevê a igualdade a homens e mulheres perante a lei.

A pressão feminina que garantiu escrever na Constituição os princípios da igualdade precisa ser reeditada agora, quando se discute uma reforma política no país. Essa é a avaliação da ministra Nilcéia Freire, da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. Para Nilcéia, a baixa participação política das mulheres que aparece no ranking do Fórum mostra que a democracia brasileira está em déficit, pois não dá representatividade à metade de sua população:

- O Lobby do Batom, que funcionou na Constituinte, precisa ser retomado agora na reforma política. O sistema de cotas (que destina 30% das candidaturas a cargos legislativos para mulheres) foi importante, mas não suficiente - afirma.

Vera Soares, da Unifem, acrescenta que a participação política feminina pouco cresceu nas últimas eleições - de nove para dez senadoras, e de 42 para 46 deputadas federais. E o Brasil nunca teve uma mulher como chefe de Estado, outro critério usado pelo Fórum. Se for considerado apenas o poder político, o Brasil aparece em 86º lugar no ranking.

Na educação, a posição brasileira é 72ª, também pior do que no ranking geral (67ª). O estudo usou estatísticas da ONU, que mostram uma taxa de matrícula menor das meninas do que dos meninos no ensino primário. Além disso, 11 países conseguiram alcançar a igualdade no acesso à educação e compartilham o primeiro lugar no ranking desse quesito. O melhor desempenho do Brasil é no critério saúde, que só leva em conta a expectativa de vida das mulheres: primeiro lugar, ao lado de outros 33 países.

O estudo do Fórum usou estatísticas da ONU, da Organização Mundial de Saúde (OMS), da Organização Internacional do Trabalho (OIT), entre outros. O objetivo foi medir a distância entre homens e mulheres, sem levar em conta o nível relativo de desenvolvimento de cada país. Por isso, nações ricas, como Itália (77º lugar) e França (70º) tiveram desempenho ruim.

- Oferecer acesso igualitário a saúde, educação, participação econômica e poder de decisão é mais do que um direito básico, é uma necessidade. Os países que não aproveitam adequadamente metade de seu capital humano estão minando sua competitividade - afirmou Saadia Zahidi, chefe do Programa de Mulheres Livres do Fórum Econômico Mundial.

Em 2005, o Fórum também divulgou um ranking sobre gêneros, mas a metodologia era diferente e não é possível fazer comparações.

"Nas entrevistas (de emprego), sempre me perguntavam qual era minha idade e se pretendia ter filhos"

LUCIANA RODELHEIMER

Engenheira elétrica

"Os países que não aproveitam metade de seu capital humano estão minando sua competitividade"

SAADIA ZAHIDI

Do Fórum Econômico Mundial

Renda menor em cargos similares

No mundo, mulher ganha 64% do salário masculino de igual função

Numa pesquisa de opinião com mais de 11 mil executivos de 125 diferentes países, o Fórum Econômico Mundial constatou que, em média, as brasileiras têm um salário equivalente a 51% de seus colegas homens que ocupam cargo similar. Mesmo na Suécia, país que lidera o ranking global do Fórum, as mulheres recebem apenas 71% dos salários pagos a homens na mesma função. Na média mundial, essa relação é de 64%.

- Isso mostra que, neste ano em que se comemora os 20 anos da morte de Simone de Beauvoir e os 30 anos do falecimento da brasileira Bertha Lutz, a bandeira defendida pelas feministas desde o início do século passado infelizmente ainda é atual: salário igual para trabalho igual - afirma a economista Hildete Pereira de Melo, da UFF.

O ranking do Fórum mostra que o mundo reduziu para menos de 10% a distância que separa homens e mulheres no acesso a educação e saúde. Mas, no que diz respeito à participação econômica (quesito que leva em conta as diferenças salariais), a disparidade entre os gêneros ainda se aproxima de 50%.

A ministra Nilcéia Freire afirma que a Secretaria Especial de Políticas para Mulheres criou um selo para incentivar ações pró-eqüidade nas empresas. Por enquanto, apenas estatais foram avaliadas e, no ano que vem, será a vez das firmas privadas.

Hildete, da UFF, acrescenta que as mulheres recebem menos a despeito de, muitas vezes, renunciarem à maternidade:

- Entre as profissionais com nível superior, 45% vivem em lares sem crianças. (L.R.)