Título: Novo crime político abala Líbano
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Fonte: O Globo, 22/11/2006, O Mundo, p. 29
Assassinato de ministro membro de dinastia cristã fragiliza governo e renova crise com a Síria
Atiradores assassinaram ontem, num subúrbio de Beirute, o ministro da Indústria e representante de uma das principais dinastias políticas do Líbano, Pierre Gemayel, de 34 anos. O crime ameaça lançar o país numa crise que pode desmantelar o precário equilíbrio entre seus vários blocos religiosos e étnicos - já fragilizado pela influência de países como Síria e Irã.
O bloco parlamentar ao qual Gemayel pertencia, o 14 de Março, liderado por Saad Hariri - filho do ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, morto na explosão de um carro-bomba em fevereiro do ano passado -, acusou o governo da Síria pelo assassinato.
- Acreditamos que as mãos da Síria estão por toda a parte. Eles querem matar todas as pessoas livres - disse Saad Hariri.
Damasco, no entanto, negou a autoria e condenou o crime em nota. O grupo xiita libanês Hezbollah disse que foi um "crime baixo".
O carro em que Gemayel estava foi abalroado por outro veículo, de onde saíram três atiradores que dispararam pelo menos dez vezes contra o ministro, ontem de manhã. Ele ainda foi levado com vida por um de seus seguranças para um hospital, mas não sobreviveu. Um de seus guarda-costas também morreu no ataque.
Centenas de pessoas foram para a porta do hospital e outras milhares saíram às ruas de bairros cristãos de Beirute para protestar contra o assassinato, acusando a Síria e criticando políticos cristãos que se aliaram recentemente ao Hezbollah, como Michel Aoun.
O assassinato foi o quarto de um político importante do país desde a morte de Rafik Hariri. Todos eles eram contra a influência síria e iraniana no país. Porém, a morte de Pierre Gemayel ganha importância pelo fato de ele pertencer a uma das dinastias políticas mais importantes do país, sendo filho e sobrinho de ex-presidentes, e neto do fundador do partido cristão Falange.
Pai de ministro pede que não haja vingança
Além disso, o crime ocorreu no momento em que o Hezbollah pressiona o primeiro-ministro Fouad Siniora a desistir do governo e convocar novas eleições parlamentares. Duas semanas atrás, seis ministros do Hezbollah pediram demissão. De acordo com a Constituição libanesa, caso o governo perdesse mais três ministros deveria ser desfeito. Com a morte de Gemayel, restam apenas dois, o que já provoca acusações de integrantes da maioria parlamentar de que o assassinato tenha sido planejado com este fim e pudesse ser apenas o primeiro de uma série.
O líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, disse semana passada que o Gabinete era ilegítimo sem a presença de ministros xiitas e exigiu a convocação de novas eleições. Mais do que isso, convocou as centenas de milhares de simpatizantes do partido a saírem às ruas para forçar a renúncia do governo.
Ontem, os partidos anti-Síria - que unem grupos cristãos, muçulmanos sunitas e drusos - fizeram apelo semelhante e pediram que as pessoas tomassem as ruas para protestos pacíficos contra o assassinato. Um encontro entre as multidões dos dois lados pode ser explosivo.
- Estou só esperando o próximo ministro ser assassinado. Definitivamente, este não é o fim - disse Johnny Ghoossain, um cristão de 25 anos.
Bares e lojas dos bairros cristãos da capital ficaram vazios ontem. Fogueiras foram feitas nas ruas depois do anoitecer e canções nacionalistas foram entoadas.
- Dou só uma semana para este país pegar fogo. Estou tentando ir para a Alemanha - disse o garçom Ali Chkeir, de 25 anos.
A assassinato foi condenado por França, Itália, Espanha, Rússia e pela União Européia. O presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, também pediu uma investigação total para "identificar os responsáveis e as forças por trás do crime."
O Conselho de Segurança da ONU também respondeu rapidamente, e aprovou um tribunal internacional para julgar o assassinato do ex-premier Hariri. Agora a proposta será levada ao governo do primeiro-ministro Siniora. Porém, sem ministros xiitas, a aprovação do tribunal poderia ter sua legitimidade questionada pelo Hezbollah, que, por sua vez, é apoiado pela Síria, principal suspeita pela morte de Hariri.
Com a tensão cada vez maior, o pai do ministro assassinato, o ex-presidente Amin Gemayel (1982-1988), cujo irmão e presidente eleito Bashir foi assassinado em 1982, pediu calma à população.
- Eu tenho um desejo. O de que a noite de hoje (ontem) seja uma noite de oração para que possamos contemplar o significado de seu martírio (o do filho) e refletir como podemos proteger este país - disse Amin Gemayel, que preside o partido Falange, em declarações feitas no hospital onde estava o corpo de seu filho. - Não queremos reações ou vingança.
Anos de violência política
Nos últimos dois anos, o meio político libanês foi estremecido por uma série de assassinatos.
14 de fevereiro de 2005: O ex-primeiro-ministro Rafik Hariri, um dos principais líderes políticos do país, é assassinado na explosão de um carro-bomba ao lado do comboio em que ele estava. Investigações preliminares encontraram indícios de participação de altos funcionários pró-sírios do Líbano e autoridades sírias. Damasco nega.
2 de junho de 2005: O jornalista e militante anti-Síria Samir Kassir morre com a explosão de uma bomba colocada sob o seu carro.
21 de junho de 2005: Ex-líder do Partido Comunista do Líbano, o político anti-Síria George Hawi morre em atentado similar ao de Kassir.
12 de julho de 2005: O vice-primeiro-ministro e ministro da Defesa Elias Murr sobrevive a um atentando a bomba. Aliado da Síria, ele afirma mais tarde que foi ameaçado por um dos chefes da espionagem síria no Líbano.
25 de setembro de 2005: A apresentadora May Chidiac, do canal LBC, de tendência anti-Síria, perde um braço e uma perna na explosão de uma bomba no seu carro.
12 de dezembro de 2005: O deputado e diretor de um jornal anti-sírio Gibran Tueni morre quando uma bomba explode em seu carro.
21 de novembro de 2006: Pierre Gemayel, ministro da Indústria e líder político cristão, é morto a tiros.