Título: BUSCANDO DINHEIRO E OUSADIA
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 23/11/2006, O País, p. 2

Encaminhada a aliança com o PMDB, o presidente Lula almoça hoje com dois terços dos governadores eleitos, que, além de lhe oferecer apoio, vão chorar as pitangas pela situação financeira dos estados, tema que mobiliza o outro terço, filiado à oposição. Uma das queixas é sobre o pagamento das dívidas refinanciadas, que lhes tomam um bom naco das receitas. O prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, vem apresentando, a alguns deles e a pessoas do governo, uma alternativa: com a securitização dessas dívidas em poder da União, cerca de R$200 bilhões, os estados teriam alívio, e o governo, recursos para investir em infra-estrutura.

O que os governadores reivindicam, e Lula está disposto a discutir, é a redução do percentual de receitas (em torno de 13%) comprometido mensalmente com o pagamento dessas dívidas desde 1997, quando foram renegociadas com o ex-ministro da Fazenda Pedro Malan: o governo central responsabilizou-se por elas e refinanciou o pagamento em 30 anos, a juros de 6% ao ano e correção pelo IGPI. Mas mexer nos percentuais fixados é proibido pela Lei de Responsabilidade Fiscal, e mexer nele é emitir um sinal nefasto. Pimentel, que ontem esteve no Planalto, vem apresentando sua proposta informalmente. Diz ele:

- No primeiro mandato, com políticas sociais e choque de crédito, o presidente Lula conseguiu produzir um crescimento de padrão chinês para as camadas mais pobres, embora não um crescimento desejável e homogêneo do PIB. Agora, ele está em busca de medidas ousadas para garantir a prosperidade geral do país. Uma das exigências da prosperidade é o investimento, que anda escasso. Essa medida serviria a dois objetivos: reduziria os encargos dos estados e proporcionaria ao governo federal um grande volume de recursos para bancar as obras de infra-estrutura.

Como seria esta securitização, ou re-refinanciamento? Ele explica:

-- O momento é de grande liquidez. O governo, com a concordância dos devedores (estados e municípios), lançaria estas dívidas no mercado sob a forma de papéis, trocando a correção do IGP-DI pelo IPCA, um índice mais palatável. Mesmo com deságio, a União levantaria aí uns R$200 bilhões imediatamente, e os estados poderiam obter condições de financiamento menos restritivas, comprometendo parte menor de suas receitas.

Para indicar seu compromisso com o ajuste fiscal, o governo destinaria parte dos recursos obtidos com a venda dos contratos no mercado ao abatimento da dívida pública. Aplicaria outra parte nas obras de infra-estrutura para as quais tem faltado investimento, público ou privado.

- Muitas condições para o crescimento estão dadas: inflação controlada, superávit comercial, reservas cambiais elevadas, um grande mercado interno. Temos tudo para crescer, mas temos também um grande problema, que é arranjar dinheiro novo para alavancar o crescimento. Acho que essa é a angústia do presidente, em sua busca de medidas ousadas - diz Pimentel.

A viabilidade de tal proposta exige seu exame jurídico, técnico e político. Mas ousada, de fato, ela é, talvez por isso encontre resistências na equipe econômica.