Título: MONTANHA DE DINHEIRO 'SEM DONO'
Autor: Alan Gripp
Fonte: O Globo, 23/11/2006, O País, p. 3

Setenta dias depois, 'aloprados' petistas continuam negando saber do R$1,7 milhão apreendido

Recheados de contradições, dois novos depoimentos prestados ontem pelos petistas "aloprados" na CPI dos Sanguessugas confirmaram que a versão de todos os envolvidos na compra do dossiê contra políticos tucanos é uma só: quase 70 dias depois da apreensão do dinheiro, todos os envolvidos continuam dizendo que não negociaram, não viram e não sabem a origem de um centavo sequer do R$1,7 milhão apreendido pela Polícia Federal. Quando o assunto foi dinheiro, Expedito Veloso, Oswaldo Bargas, Jorge Lorenzetti e Valdebran Padilha adotaram o mesmo discurso: jamais negociaram valores, apenas cumpriram ordens ou analisaram documentos.

A estratégia tem uma razão: como a compra de dossiê não é crime previsto no Código Penal, apenas a relação com o dinheiro poderá criar para eles problemas com a Justiça. Isso se for comprovada a origem ilegal dos recursos apreendidos.

Ontem, foi a vez de Expedito e Bargas apresentarem suas versões e novamente irritarem os parlamentares da CPI. Expedito, no entanto, acabou caindo em contradição. Depois de dizer que não tratou-se de dinheiro nas quatro reuniões das quais participou com outros envolvidos no caso, pressionado, acabou afirmando que Valdebran dissera que "assumiria do próprio bolso o pagamento de R$1 milhão" pelos documentos. Depois, deu explicações inusitadas:

- O assunto sobre o dinheiro eram conversas monólogas. Eu apenas ouvia o que eles diziam. Não poderia impedir que eles falassem de dinheiro.

Expedito contou que pediu férias no Banco do Brasil, onde era diretor de Gestão e Risco, para ocupar o cargo no grupo de inteligência do comitê de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele se recusou a revelar o valor de seu salário na instituição financeira e não quis comentar a declaração de Lula de que os envolvidos no escândalo são aloprados.

- Isso ocorreu no calor da campanha. Minha história, eu me orgulho dela, pessoal, profissional e familiar.

Bargas diz que leu reportagem antes

Já Bargas disse que sua tarefa era apenas negociar uma entrevista do chefe da máfia dos sanguessugas, Luiz Antônio Vedoin, para um veículo de comunicação, que acabou sendo feita pela revista "IstoÉ". Na entrevista, Vedoin acusou o candidato ao governo de São Paulo José Serra (PSDB) de facilitar fraudes na compra de ambulâncias quando era ministro da Saúde.

Bargas disse que foi escolhido por Jorge Lorenzetti, chefe do grupo de inteligência do comitê de campanha do presidente Lula. Ele contou que Lorenzetti lhe pediu que viajasse para Cuiabá para acompanhar a entrevista e garantir que a revista usasse documentos que comprometessem a gestão de Serra. Bargas chegou a dizer que leu a reportagem da "IstoÉ" antes de ela ser publicada, para se certificar disso:

- Estávamos em guerra com a imprensa, não poderíamos escolher um jornal qualquer. Minha participação teve um limite.

O petista também negou que tenha dito a jornalista da revista "Época" que o então presidente do PT, Ricardo Berzoini (SP), sabia da negociação do dossiê. E minimizou sua importância no comitê de campanha de Lula.

- Estava ali como muitos outros, recebia tarefas: "Você faz isso, você faz aquilo"- disse.

- Não é possível que ninguém saiba de nada e sempre tenha sido traído. Essa retórica se repete com muita freqüência no PT - atacou o sub-relator, Carlos Sampaio (PSDB-SP).

A CPI adiou o depoimento de Hamilton Lacerda, ex-coordenador de Comunicação da campanha do senador Aloizio Mercadante (PT) ao governo de São Paulo. Lacerda é acusado pela PF de levar para o hotel Ibis uma mala com R$1 milhão que teria sido entregue a Valdebran como pagamento de parte do acordo. Ele nega.

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Montante deve ficar com União

A Polícia Federal e o Ministério Público ainda não sabem que destino será dado ao R$1,7 milhão que o grupo de petistas pretendia usar para comprar um dossiê contra políticos tucanos. Para o procurador da República Mário Lúcio Avelar, um dos encarregados de investigar o caso, o mais provável é que a Justiça Federal, no encerramento de um eventual processo contra os acusados, decrete que o dinheiro seja recolhido em favor da União. Os principais envolvidos na compra do dossiê prestaram depoimento na PF e na CPI dos Sanguessugas e nenhum deles assumiu a responsabilidade pelo dinheiro. Há uma montanha de cédulas de dólares e reais sem dono.

- É uma questão complicada, mas tudo indica que vai para os cofres do Tesouro Nacional - disse Mário Lúcio.

Para isso, bastaria que o juiz Jeferson Schneider, da 2ª Vara Federal de Mato Grosso, decretasse o perdimento do dinheiro numa eventual sentença condenatória, ao fim do processo. Mas, até lá, há um longo caminho pela frente. A PF ainda nem concluiu a primeira parte das investigações. Ou seja, formalmente, não existe nem processo no caso do dossiê. Para decretar o perdimento do dinheiro, o Ministério Público e a PF terão ainda que comprovar que os recursos são de origem ilegal, o que ainda não está configurado nas investigações.

Para CPI, petistas negociaram diretamente

Quebra de sigilo mostra que envolvidos trocaram inúmeros telefonemas durante operação

BRASÍLIA. Investigação da CPI dos Sanguessugas divulgada ontem revela fortes indícios de que os petistas se envolveram diretamente na operação de compra do dossiê contra tucanos. A comissão cruzou dados do sigilo telefônico com imagens do circuito de TV do hotel onde foram apreendidos o R$1,7 milhão que seria usado no negócio e descobriu que os principais acusados travaram intenso contato nos momentos em que a Polícia Federal atesta que a primeira mala de dinheiro chegou ao local. Todos negam envolvimento na negociação de valores, único meio de incriminar os personagens do escândalo.

O levantamento, feito pelo sub-relator da CPI, deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), concentra-se no dia 13 de setembro, dois dias antes da prisão de Gedimar Passos e Valdebran Padilha, flagrados com o dinheiro. Nas primeiras horas daquele dia, segundo a PF, o então coordenador de comunicação da campanha do senador Aloizio Mercadante (PT) ao governo de São Paulo, Hamilton Lacerda, entregou R$1 milhão a Gedimar, que mais tarde o repassaria a Valdebran. Este representava o chefe da máfia dos sanguessugas, Luiz Antônio Vedoin.

Às 7h02m daquele dia, a primeira ligação. Expedito Veloso, integrante do grupo de inteligência do comitê de campanha do presidente Lula, telefona para Gedimar, que já estava hospedado no hotel. Os dois conversaram por pouco mais de seis minutos e voltam a se falar minutos depois. Às 8h17m, Expedito liga para Valdebran. Pouco depois, às 8h51m, as câmeras do hotel flagram Lacerda entrando no prédio, com uma pasta azul e uma bolsa preta, onde, segundo a PF, estaria o primeiro R$1 milhão. Na versão de Lacerda, tratava-se apenas de material de campanha.

As câmeras captam, às 8h58m, Lacerda e Gedimar, juntos, aguardando o elevador. Segundo a PF, nos minutos que se seguiram, a bolsa preta foi entregue a Gedimar, provavelmente no quarto onde estava hospedado. Às 9h13m, há uma ligação do celular usado por Lacerda - e registrado no nome de uma mulher identificada como Ana Paula - para o número de outro envolvido: Oswaldo Bargas, também funcionário do comitê de Lula.

"Está claro que todos foram informados do pagamento"

Às 9h20m, Lacerda deixa o hotel, sem a bolsa preta. Menos de um minuto depois, ele liga para Jorge Lorenzetti, chefe do grupo de inteligência do comitê e apontado como o coordenador da operação. Outra ligação foi registrada no minuto seguinte. Ao todo, os dois se falaram por 2m46s. Quando a conversa terminou, Lorenzetti ligou para o telefone do comitê usado por Gedimar, que permaneceu no hotel. A chamada durou quase 2m. Logo depois, outra coincidência. As imagens, periciadas pela PF, registram Gedimar falando em seu celular no saguão do hotel, durante 11 minutos. Neste mesmo período, entre 10h12m e 10h23m, Gedimar ligou quatro vezes para Expedito. Eles se falaram por mais de cinco minutos.

Para Carlos Sampaio, o cruzamento mostra que todos participaram da compra do dossiê:

- Está claro que foram informados do pagamento do primeiro milhão.

No mesmo dia, há uma ligação do presidente do PT, Ricardo Berzoini, para Bargas. Entre os dias 12 e 14, foram 16 ligações entre os dois. O dia 13 foi o dia em que Vedoin concedia entrevista à "IstoÉ", em Cuiabá, fazendo acusações a José Serra. A entrevista faria parte do pacote do dossiê.

Ex-diretor do BB acusa Serra, que revida

BRASÍLIA. O ex-diretor do BB Expedito Veloso usou seu depoimento para atacar o PSDB e o governador eleito de São Paulo, José Serra. Veloso disse que o chefe da máfia, Luiz Antônio Vedoin, lhe disse ter ajudado a pagar dívidas da campanha de Serra à Presidência, em 2002.

Estimulado pelo deputado Eduardo Valverde (PT-RO), Expedito disse que viu cópias de 15 cheques que Vedoin dizia ter dado a empresas indicadas pelo empresário Abel Pereira em troca da liberação de recursos para compra de ambulâncias, durante a gestão de Serra no Ministério da Saúde. Serra reagiu irritado:

- O Expedito é um aloprado, um delinqüente.