Título: ESPECIALISTAS: 13º PARA BOLSA FAMÍLIA É DEMAGOGIA
Autor: Cláudia Lamego
Fonte: O Globo, 23/11/2006, O País, p. 8

'Trata-se de mais uma demonstração de irresponsabilidade parlamentar', diz cientista político, que critica a oposição

Uma medida inconstitucional, demagógica e irresponsável. Para sociólogos e cientistas políticos, a proposta de conceder 13 º para o Bolsa Família é mais uma tentativa da oposição de desgastar o governo - assim como foi a da proposta de reajuste de 16,67% para aposentados e pensionistas. Para o professor Eurico Figueiredo, coordenador do programa de pós-graduação de Ciência Política da UFF, é "esdrúxulo" equiparar o benefício a um salário:

- Trata-se de mais uma demonstração de irresponsabilidade parlamentar. A oposição está sendo demagógica porque visa pressionar o governo a algo que ele não podia nem pretendia dar e que compromete o Orçamento do ano que vem. Por um lado, num país com tanta desigualdade, o Bolsa Família é necessário. Mas esse benefício não pode ser substituído por uma política de desenvolvimento que garanta o emprego. Do ponto de vista macroeconômico, é apenas um paliativo.

Para Renato Lessa, cientista político do Iuperj, se o projeto for aprovado, todos os bolsistas de pesquisa e beneficiários de programas sociais poderão reivindicar o 13º também:

- Acho que (a proposta) é inconstitucional e indica a indigência cognitiva da oposição. É uma proposta demagógica, porque a bolsa não é salário. Se fosse assim, todos os bolsistas de pesquisa do país, por exemplo, teriam que ganhar 13º também. Isso foi uma estratégia infantil da oposição. Parece política estudantil.

Proposta pode levar a outras reivindicações, diz professor

O professor da UFF ironizou o projeto, lembrando que, se for aprovado, ele pode levar a outras reivindicações trabalhistas, como o adicional de férias para o Bolsa Família.

- Há de se arguir a constitucionalidade da medida, já que se sabe que as bolsas de qualquer espécie não dão 13º. A continuar assim, se poderia dizer que o Bolsa Família teria direito aos outros benefícios, tais como um terço das férias. Isso seria uma impropriedade de tratamento da questão social.

Lessa e Eurico consideram que o governo não sairá desgastado do episódio se decidir vetar o projeto.

- Essa é a mesma lógica do aumento para os aposentados, defendido pela oposição, e que não colou. O apoio ao Lula por causa do Bolsa Família não vai diminuir porque nem há expectativa dos beneficiários. Esta é uma oposição feita para perder, não é inteligente - considera Lessa.

"O veto não vai afetar a popularidade do governo"

Já o professor Ricardo Ismael, cientista político do Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rio, acha que a iniciativa cria, sim, um embaraço para o governo:

- A proposta não segue a lei trabalhista. O argumento do governo será a questão fiscal, denunciando a ação da oposição como oportunista. Pode ser que o governo consiga agir rapidamente, evitando a repercussão. Caso contrário, a história vai criar expectativa entre os que recebem o Bolsa Família.

- O veto não vai afetar a popularidade do governo porque essas camadas mais pobres, que se beneficiam do Bolsa Família, não são bem informadas - opina Figueiredo.

O professor da PUC lembra que tanto a proposta de aumento de 16,6% para os aposentados quanto o 13º para o Bolsa Família surgiram durante o processo eleitoral:

- O objetivo da oposição, que não teve efeito durante a campanha, é inverter o ônus de derrubar as propostas e deixar o desgaste para o governo.

Já o sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade, não quis entrar no mérito se a medida é ou não demagógica. Ele acha que qualquer benefício social é bem-vindo no país.

- O Bolsa Família deve ser encarado como um programa de renda mínima. Ele não resolve a desigualdade social, mas ameniza a condição dos que necessitam de ajuda urgente.

Governo tentará derrubar o projeto

Petistas e líder do PSDB criticam criação do 13º para o Bolsa Família

BRASÍLIA. O governo reagiu à articulação da oposição no Senado que resultou na aprovação, anteontem, de um projeto criando um 13º para as famílias que recebem o Bolsa Família. O projeto, do senador Efraim Moraes (PFL-PB), foi classificado por ministros e líderes governistas de irresponsável, por não apontar a receita orçamentária para cobrir a despesa, em torno de R$700 milhões. E também por desvirtuar o princípio assistencial do benefício. O governo deve impedir a aprovação do projeto na Câmara, onde tem maioria.

- É um gasto a mais que está sendo criado. É desnecessário e descaracteriza a finalidade do Bolsa Família. Se você cria 13º , férias, essas coisas, é como se a família fosse ficar a vida inteira nessa situação e não é esse o objetivo - disse o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Jutahy: votação irresponsável e com erro conceitual

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que a proposta é irresponsável. O ministro de Relações Institucionais, Tarso Genro, afirmou que o projeto é inconstitucional.

- Acho isso uma irresponsabilidade - disse Bernardo.

- É uma reação natural da oposição para se fazer uma exibição pública respeitável da sua vontade, mas sabendo que isso é impossível - disse Tarso.

Na Câmara, a gratificação natalina proposta por Efraim deverá ser rejeitada até mesmo por parte da oposição. Dois problemas foram ressaltados: a falta de dotação orçamentária e o fato de tratar benefício social como salário. O líder do PSDB, Jutahy Junior (BA), classificou a votação de irresponsável:

- Para aprovar uma questão como esta, tem que ter previsão orçamentária e não há. Foi uma votação irresponsável e contém um erro conceitual. O Bolsa Família não é salário, mas uma necessidade transitória.

O líder do governo na Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), disse que o comportamento da base será diferente na Câmara:

- Vamos chamar os líderes, mostrar os problemas e dizer que o governo tem posição contrária - disse.

Para o líder do PT na Câmara, Henrique Fontana (RS), a oposição faz demagogia:

- A sensação que tenho é que continua a lógica eleitoral. A hora deveria ser de baixar as armas e votar coisas importantes para o país, e não ficar com provocações infantis. O Senado é a festa da irresponsabilidade. Aqui, a bancada do PT não vai fazer demagogia.