Título: PROCURADOR QUER ANULAR PRIVILÉGIOS DE JUÍZES
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 24/11/2006, O País, p. 12

Para Antonio Fernando, o CNJ extrapolou suas funções ao decidir sobre férias coletivas duas vezes por ano

BRASÍLIA. O procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, declarou guerra contra duas iniciativas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que concedem privilégios a juízes e desembargadores. Antonio Fernando pediu que o Supremo Tribunal Federal (STF) anule a resolução que devolveu aos juízes o direito de tirar férias coletivas duas vezes por ano. A prática foi extinta pela reforma do Judiciário em dezembro de 2004, mas autorizada pelo conselho em outubro deste ano.

O procurador-geral também contesta outra resolução, que liberou o pagamento de um salário a mais por ano, acrescido de um terço, aos juízes que tirarem apenas 30 dias de férias. Podem receber esse benefício os magistrados que têm pelo menos dois períodos de férias vencidas acumulados. Os pedidos foram feitos em duas ações diretas de inconstitucionalidade ainda sem previsão para serem julgadas.

Resolução atendeu a lobby de entidades como a OAB

No caso das férias coletivas, Antonio Fernando explicou que a proibição da prática foi incluída na Constituição Federal e, portanto, o conselho não teria poderes para decidir de forma contrária. "O uso das funções do CNJ para subverter a opção política tomada avança os limites delimitados pela Constituição, a ponto de tornar o comportamento do conselho afrontoso à Lei Fundamental", escreveu o procurador-geral.

Antes da reforma do Judiciário, os magistrados estavam obrigados a tirar férias coletivas em janeiro e julho. Agora, precisam escolher meses diferentes para não interromper as atividades dos tribunais. O conselho, por sua vez, deu a cada tribunal autonomia para decidir se seus integrantes poderão ou não tirar férias coletivas.

A resolução do conselho foi editada para atender ao lobby de entidades representantes de magistrados e principalmente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). De acordo com os argumentos da instituição, sem as férias coletivas os tribunais trabalhariam ininterruptamente, sem suspender os prazos judiciais para recursos em processos. Dessa forma, os advogados ficaram impossibilitados de tirar qualquer tipo de recesso, pois poderiam perder os prazos.

Sobre a possibilidade do pagamento de 14º salário por férias não gozadas, Antonio Fernando alegou que "somente lei complementar de iniciativa do STF detém legitimidade para lidar com o tema". O procurador-geral também lembrou que o CNJ não tem competência para criar vantagem para a magistratura que não esteja prevista em lei. Ao contrário, o conselho teria o dever de controlar estritamente a atuação administrativa do Judiciário.

Antonio Fernando avaliou que "a implantação dessa orientação como política aceita e legítima irá propiciar imenso desarranjo institucional e administrativo, tornando a prática corrente, não só o desprezo pelo efetivo gozo das férias, como a conversão indevida em pecúnia de direito que, todavia, tem dimensão e propósitos completamente diversos".

No meio jurídico, a expectativa é de um julgamento repleto de discussões acirradas. Isso porque o CNJ tem tomado decisões que, para muitos ministros do STF, extrapolam as atribuições do conselho. O clima pode ficar tenso. A presidente do tribunal, ministra Ellen Gracie Northfleet, também está à frente do CNJ. No julgamento, são grandes as chances de se tentar cortar as asas do colegiado.

Privilégios revistos

Pouco a pouco, os juízes estão conquistando privilégios que foram cassados por reformas constitucionais feitas nos últimos anos. A reforma do Judiciário, promulgada em 2005, proibiu as férias coletivas para juízes de primeira instância e nos tribunais estaduais.

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que faz o controle externo do Judiciário, primeiro, referendou a medida. Logo depois, pressionado pela magistratura e pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), revogou a própria resolução e deu a cada tribunal o direito de estipular se quer ou não ter férias coletivas.

Uma outra norma da Constituição Federal, que determina os limites de remuneração para as carreiras do Poder Judiciário, também tem sido ignorada.

Recentemente, o CNJ autorizou juízes estaduais a receberem gratificações que, somadas aos salários, ultrapassam o teto da categoria.

De acordo com a Constituição, os juízes de segunda instância podem ganhar salários até R$22.111 - ou seja, 90,25% do salário de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), de R$24.500.

O próprio CNJ também está em campanha para aumentar o salário dos conselheiros. A ministra Ellen Gracie Northfleet, presidente do Supremo, defendeu anteontem o pagamento de um jetom aos conselheiros. Ela argumenta que os conselheiros trabalham muito e não recebem remuneração pelo serviço.