Título: DERROTA DA INCLUSÃO SOCIAL
Autor: CRISTOVAM BUARQUE
Fonte: O Globo, 25/11/2006, Opinião, p. 7

Em 1998, um eleitor disse a um candidato que pleiteava a reeleição que ele tinha sido o melhor governador de seu estado, mas que não ganharia seu voto. Porque, embora considerasse seu governo ótimo, ele, pessoalmente, não tinha recebido qualquer benefício. Água, esgoto, escola, segurança tinham melhorado a vida de todos, mas não a dele próprio.

Isso explica a reeleição do presidente Lula em 2006. Ela foi uma vitória dos pobres que se identificam com ele e recebem a ajuda da Bolsa Família. Não foi uma vitória da expectativa brasileira pelo fim da pobreza. Na verdade, a opção do eleitorado indicou a vitória da persistência da pobreza, a derrota da marcha brasileira pela inclusão social, lenta marcha iniciada em 1888, com a abolição da escravidão. Vitória da pobreza porque ela se fortaleceu, ganhou mais resistência para continuar sendo a vergonha da nossa realidade social.

A população pobre venceu porque votou corretamente, segundo seus interesses, o imediatismo da renda mensal, por menor que seja. Mas a inclusão perdeu, porque essa renda é insuficiente e amarra o pobre à pobreza, mantendo-o vivo sem permitir que ele suba na vida.

Lula venceu porque o eleitor escolhe o candidato que lhe oferece um benefício: imediato, individual e provisório. A Bolsa Família é imediata e individual. Além disso, faz o beneficiário se lembrar do presidente todo fim de mês, e temer que ela seja extinta caso vença um opositor. O eleitor a considera um benefício diretamente ligado ao presidente; uma ajuda, não um direito.

A bandeira da revolução na educação, por exemplo, que aboliria a pobreza, e serviria ao povo e à Nação, não pareceu uma vitória dos pobres nem sensibilizou o eleitor. Porque seu efeito é distante, e não imediato; seu benefício é generalizado, e não individual; e, acima de tudo, não há como identificar o grande benfeitor.

A proposta de colocar água e esgoto em todas as casas também é distante no tempo, também não é um benefício individual, parece uma simples obrigação governamental. Além disso, seis meses depois, ninguém se lembra do prefeito, do governador ou do presidente que inaugurou a obra.

O eleitor pobre acerta do ponto de vista da sua lógica individual, mas o povo perde no que diz respeito ao projeto de nação. Essa vitória do eleitor contra o povo mostra a dificuldade política de se implantar um projeto nacional que vise à eliminação da pobreza. Porque esse projeto não seria atraente para os eleitores.

O eleitor vota em quem melhora a sua vida, não em que melhora o seu país, mesmo que a segunda opção resolva seu problema definitivamente, coletivamente.

Se tivesse erradicado o analfabetismo, iniciado uma revolução na educação de base, colocado água e esgoto em todas as casas, erradicado a pobreza, Lula ficaria na história, mas talvez não se reelegesse. Essa é a contradição entre política e estadismo, entre os interesses do eleitor e do povo, entre o interesse individual e coletivo, o curto e o longo prazo, generosidade e revolução. Lula é generoso e solidário com a população pobre, e mereceu a votação que recebeu. Mas é um presidente conservador, não tem vigor transformador. Sua generosidade é de direita. Garantir o atendimento imediato aos pobres com um olhar de candidato, e não de estadista, amarra-os à pobreza, e o Brasil à desigualdade.

O Brasil precisa de um governo que seja não apenas generoso e solidário com os pobres, mas também progressista. Que realmente inicie uma revolução para eliminar a pobreza e promover a inclusão.

CRISTOVAM BUARQUE é senador (PDT-DF).