Título: Andar no trampolim
Autor:
Fonte: O Globo, 25/11/2006, Economia, p. 36

O atual modelo brasileiro de política fiscal está esgotado. Era um trampolim para outras mudanças e, nos últimos quatro anos, o governo Lula usou-o como se fosse passarela. É o que pensa o economista político Alexandre Marinis, da consultoria Mosaico. O atual modelo foi inaugurado em 1999, após a crise, e foi baseado nas metas de superávit primário. Ao fim de oito anos, o país cumpriu as metas, os contribuintes fizeram um grande esforço, e a dívida/PIB continua mais ou menos do mesmo tamanho.

Marinis acha que o melhor seria agora aperfeiçoar o atual modelo, sustentando a busca do equilíbrio fiscal da União através da manutenção do superávit primário e do uso concomitante de outra fórmula: metas para a relação entre a dívida consolidada líquida do governo federal e a sua receita corrente líquida.

Os estados seguem metas de endividamento em relação à sua receita líquida. Marinis acha que, se fizesse metas declinantes, exeqüíveis e flexíveis, o governo federal poderia conseguir até mais crescimento econômico.

Hoje, o objetivo final da política de superávit primário é exatamente o de reduzir o endividamento. O problema é que, por maior que seja o esforço, o governo tem mantido mais ou menos em 50% do PIB a sua dívida líquida. Quando subiu um pouco, foi apenas pela desvalorização cambial ¿ e o impacto da alta do dólar na dívida dolarizada e externa ¿ mas, se for mantido o mesmo ritmo de mudança, só em 20 anos se chegará a um nível confortável de dívida.

Em agosto de 2000, o governo encaminhou uma proposta de fixar a dívida em 3,5 vezes a receita corrente líquida. A proposta não foi votada. Marinis acha que, se fosse adotada, poderia ter seu efeito antecipado pelo mercado, aumentando a confiança no compromisso do governo. Ele acredita que seria flexível, porque, quando o governo atingisse mais rapidamente a meta do ano, ele poderia reduzir o superávit primário.

¿ O ponto chave é o Brasil sinalizar aos investidores que reduzirá, de fato, a sua dívida pública, e não simplesmente continuar produzindo um superávit que apenas mantém a dívida constante num patamar mais elevado ¿ afirma Marinis.

Uma coisa é certa: da maneira como está, o país tem andado em círculos. Apesar do esforço nos últimos oito anos para cumprir à risca as metas fiscais, o Brasil não saiu do lugar. Pelo contrário. Como é possível ver no gráfico abaixo, todo o esforço para cumprir as metas de superávit foi feito pelo contribuinte, que mandou mais recursos para o governo.

Hoje o risco é de que o governo descumpra as metas ¿ explicitamente ou de forma disfarçada através do uso do Projeto-Piloto de Investimentos (PPI), ou seja, não contabilizando certos investimentos como gastos. Quando o atual modelo fiscal foi adotado, ele representou um avanço e uma mudança para melhor no ajuste fiscal entre o primeiro e o segundo governo Fernando Henrique.

¿ Hoje, apesar de as metas de superávit primário dos últimos oito anos terem sido imaculadamente cumpridas, o Brasil se vê diante de um quadro no qual não há a perspectiva de um crescimento mais robusto. Também não há grandes investimentos públicos nem privados. Não há margem para se manter elevado o superávit primário. Não há espaço para novos aumentos de carga tributária, nem para reforma estrutural nas contas públicas ¿ diz Alexandre Marinis.

A questão é se existe alguma solução que não passe pela reforma do processo orçamentário: 82% dos recursos orçamentários têm destinação obrigatória. Essa rigidez já é problema suficiente para os governantes, mas o novo governo Lula terá que enfrentar outros problemas, como o da expansão recente das despesas. O reajuste do salário mínimo em 16,7% aumentará as despesas em R$12,6 bilhões nos 12 meses de maio de 2006 a abril de 2007. O reajuste dos aposentados significou mais R$4,9 bilhões de gastos em 12 meses e o aumento salarial do funcionalismo, R$5,5 bilhões este ano e R$10,8 bilhões no ano que vem. A reforma da Previdência, aprovada no começo do governo, ainda não foi regulamentada; a reforma tributária não reformou nada, apenas elevou o PIS/Cofins e prorrogou a CPMF e a DRU. O país está muito longe do verdadeiro equilíbrio fiscal.